Daniel Thame

 

“Tenho muito respeito por todas as religiões, mas a Rede Globo colocar um padre de nome Padre Santo fazendo um casamento dentro de um prostíbulo é demais para a religião católica”.

 

“Esses diretores e atores da novela são todos comunistas”.

 

“Temos que chegar até a direção da Globo pra que eles mostrem que foi o PT quem trouxe a vassoura-de-bruxa. Essa novela está muito de esquerda, não defende os produtores”.  

 

“É muita falta de vergonha colocar um diabinho no mesmo altar de Nossa Senhora. A gente que respeita a família deveria boicotar essa novela”.

Ao contrário do que possa parecer, as frases acima não são obra de ficção. Elas foram extraídas das redes sociais  e conversas em grupos de wathsapp.

E dão exatamente o tom de como um pequeno grupo de produtores de cacau do Sul da Bahia, felizmente uma minoria, mas uma minoria ruidosa, encarou o remake de Renascer que teve sua primeira fase encerrada no início desta semana.

“Como é que é esse negócio de um sujeito que vem de fora, defende o cultivo de cacau preservando o meio ambiente, trata os trabalhadores como iguais,  consegue vencer a vassoura de bruxa se enfiando dentro da fazenda e ainda tem um pacto com o diabo?”.

 

Não, o Lula não está dando palpites na novela e nem Lulinha, que já é dono da Friboi, da Latam, da Torre Eiffel e da Estátua da Liberdade,  é dono da Rede Globo, que continua nas mãos dos herdeiros do  jornalista Roberto Marinho.

O fato é que, encerrada a primeira fase, e tirando os delírios dos que quase 30 anos depois ainda preferem caçar bruxas do que driblá-las e empreender como a  maior parte dos produtores está fazendo, Renascer deixa um saldo positivo, tanto no enredo quanto na qualidade das imagens, com recursos tecnológicos que a primeira versão não permitia.

Incluir a vassoura-de-bruxa, tema recorrente no remake, em meio a tocaias, terras ainda a serem ocupadas, viagens de cavalo a Ilhéus e Itabuna, partos da esposa de um  produtor já próspero na sede  da fazenda,  exigem aquilo que numa obra de ficção se chama de licença poética.

E a primeira fase de Renascer abusou das licenças poéticas, tendo o  necessário bom senso de focar o enredo apenas na zona rural, sem mostrar Ilhéus e Itabuna, que eram cidades grandes na época dos coronéis  é já eram metrópoles  na época da chegada da vassoura-de-bruxa.

José Inocêncio, magnificamente interpretado  por Humberto Carrão, à parte um ou outro arroubo coronelístico principalmente após a morte de Maria Santa, igualmente com interpretação magnifica  de Duda Santos, pareceu um misto de João  Tavares e Marco Lessa, pelo espirito inovador que é marca desses dois símbolos  da vida real  grapiúna.

 

Tavares e Lessa, ao que consta, só não são tão adeptos da cachacinha consumida com pompa e zelo por José Inocêncio e grande elenco durante toda a primeira fase do remake. E olha que nem era merchan!

“Além de comunistas, cachaceiros!”

Abre parênteses: Menção Mais do que Honrosa para o  grapiúna Fábio Lago, magistral na  interpretação de Venâncio, um ator na plenitude de sua arte.

O facão cravado aos pés do Jequitibá-Rei, o cultivo cacau em área de cabruca, a relação afetuosa com os trabalhadores, os embates com os coronéis Belarmino e Firmino, o casamento triplo no puteiro de Jacutunga celebrado por um padre que parece saído de um grupo da Teologia da Libertação, os embarque de cacau na mítica Lagoa Encantada, o dramático parto que provocou a morte de Maria Santa e a rejeição de José Inocêncio ao filho,  são dessas cenas de antologia que já  fazem de Renascer  um marco na história da teledramaturgia brasileira.

Com a segunda fase do remake, Ilhéus e a magia da terra celebrizada por Jorge Amado, e o chocolate de origem entrarão no enredo, devendo atrair milhares de turistas para o Sul da Bahia e impulsionar negócios numa região em franco processo de retomada de desenvolvimento.

 

Isso em meio a paixões, traições, disputas familiares e muitas reviravoltas na trama, que afinal de contas, estamos falando de uma novela.

Que venha a segunda fase de Renascer. E que o Sul da Bahia aprenda que “renascimento”  não é ficção e pode se tornar realidade com trabalho, inovação tecnológica, foco na sustentabilidade, condições dignas de trabalho, e aquele espírito empreendedor que está no DNA da Civilização Grapiúna.

 

(Minha Nossa Senhora, mas que diabos de discurso comunista é  esse nas Terras do Sem Fim?)

 

É tempo de Renascer!