:: set/2009
DE BIDA PARA NANDA…
De “herança maldita” convencionou-se chamar aquela situação em que um presidente, governador ou prefeito que assume o cargo e se depara com dívidas monumentais e o patrimônio público sucateado, o que praticamente impede a realização de obras e outros investimentos.
Serve tanto para mostrar o quão irresponsáveis são alguns de nossos administradores, como também como uma bela desculpa para não trabalhar, desviar dinheiro e, num moto-contínuo da politicalha, deixar uma nova herança maldita para o sucessor.
A expressão “de pai para filho” nos remete aos empreendimentos de tradição familiar, geralmente bem sucedidos, que passam de geração a geração e em que o sobrenome tem o mesmo peso da marca da empresa.
Serve para mostrar a solidez de uma família e de uma empresa, que graças a esse lastro, é capaz tanto de resistir às crises eventuais, como se adaptar os novos modelos empresariais, de competição feroz e mercados globais.
Pois, num bairro da periferia de Itabuna, o paupérrimo e esquecido Novo Horizonte (cujo horizonte dos sofridos moradores é quase nenhum), os conceitos conhecidos de “herança maldita” e “de pai para filho”, foram subvertidos de forma trágica.
Troque-se apenas o “de pai para filho” para o “de irmão para irmã” e temos o que se pode chamar, no sentido literal da palavra, de herança maldita.
Como nas melhores casas do ramo, Maria Fernanda dos Santos, a Nanda, de 27 anos, herdou o negócio, bastante rentável ao que parece, do irmão José Fernandes dos Santos, o Bida, de 30 anos, assassinado no ano passado num entrevero com a polícia.
O infortúnio do irmão fez com que a jovem Nanda se apossasse do negócio do irmão, na verdade um empreendimento nada ortodoxo, um concorrido ponto de venda de drogas.
No jargão da reportagem policial, Nanda virou a “Rainha do Tráfico” no Novo Horizonte, uma rainha sem trono e sem coroa, sentada sobre um barril de pólvora.
Que, como não é raro nesse negócio lucrativo, mas extremamente disputado, explodiu.
Seguindo a sina do irmão, Nanda também foi assassinada, não pela polícia, mas provavelmente numa disputa entre traficantes.
Seu corpo foi encontrado num campinho de futebol no São Lourenço, outro bairro onde, na ausência do poder público, o crime impõe o terror aos moradores, gente de bem e trabalhadora obrigada a conviver com o medo e a violência.
Nessa tragédia familiar e ao mesmo tempo coletiva que é o mundo das drogas, a herança maldita de Bida para Nanda, que passou de irmão para irmã, se resumiu a uns poucos palmos de terra num túmulo mulambento de um cemitério qualquer, sem direito a choro nem vela.
Esse é um mundo em que reis e rainhas, que na verdade não passam de peões pobres coitados, vêem à majestade virar pó ou fumaça num piscar de olhos.
Ou num apertar do gatilho!
ELA TOPOU
Que a educação é principal, senão a única, ferramenta para a inclusão social e a cidadania, não há nenhuma dúvida.
As nações mais desenvolvidas do planeta, algumas delas envolvidas em guerras devastadoras há pouco mais de meio século, atingiram esse estágio graças a investimentos maciços na universalização e na qualidade do ensino.
No Brasil, o eterno país do futuro que parece não chegar nunca, o ensino público é, salvo as raras e honrosas exceções, deficiente.
Fruto das desigualdades típicas de um país com ilhotas de riqueza de nível europeu e norte-americano e bolsões de miséria similares aos países paupérrimos da África, o Brasil possuiu colégios de excelência no rico Sul/Sudeste e escolas onde faltam até lápis e cadernos e os professores são obrigados a dar aulas para várias séries ao mesmo tempo.
Nesse sistema educacional que nem sempre educa, o analfabetismo é certamente o pior e mais danoso dos subprodutos.
São milhões de pessoas, entre crianças, jovens, adultos e idosos que não sabem ler ou escrever, ou são os chamados analfabetos funcionais, que freqüentaram a escola, não foram sequer alfabetizados de forma satisfatória.
A boa noticia é que existem iniciativas governamentais efetivas que estão contribuindo para combater o analfabetismo.
Na Bahia, o programa Todos pela Alfabetização, que atende pelo sugestivo nome de TOPA, tem como meta fazer com que cerca de dois milhões de baianos aprendam a ler e escrever, contribuindo para que o estado deixe de ostentar os maiores índices de analfabetismo do Brasil.
Para simbolizar a real dimensão do TOPA, nada melhor do que a história da aposentada Enedina Pereira da Silva, que está completando 100 anos de vida e é uma das alunas do programa de alfabetização em Ilhéus, no Sul da Bahia.
Rompendo a barreira de um século existência, uma vida sofrida, mas digna, dona Enedina está deixando de integrar a vergonhosa estatística do analfabetismo, para entrar no grupo de cidadãos que sabem ler e escrever.
Na sua fase outonal, ela descortina as portas de um novo mundo: o mundo da leitura, do saber, da educação.
O exemplo de dona Enedina irradiou-se para a família. Seguindo o exemplo da mãe, o filho Lourival Rodrigues, de 61 anos, também está participando do TOPA.
Mãe e filho freqüentam a mesma sala de aula e compartilham as descobertas que só a alfabetização proporciona.
Juntos, percorrem o caminho do conhecimento, cujo primeiro passo é justamente saber ler e escrever.
Em seus 100 anos de vida, dona Enedina oferece o exemplo de que nunca é tarde para aprender a ler e escrever.
Dona Enedina faz aniversário nesta quarta-feira, dia 30 de setembro. Talvez não saiba, mas sua perseverança e força de vontade são verdadeiros presentes para quem acredita na Educação.
Aos 100 anos, ela escreve com suas letras ainda tímidas e inseguras, uma história capaz de mudar para melhor os destinos de um estado e de um país.
AS MENINAS DO VIADUTO PAULO SOUTO
Uma foto, às vezes, “fala” mais do que mil, milhões de palavras.
Em sendo assim, o que acrescentar à foto do repórter Oziel Aragão, que mostra duas adolescentes, de 14 e 16 anos, se prostituindo no viaduto Paulo Souto, no trevo entre a BR 101 e a BA 415?
Tirando essa maldita mania bajulatória de se dar nome de políticos vivos pontes, viadutos, prédios públicos e quetais, verdadeira praga nacional, a foto revela justamente a ausência do poder público, a histórica inoperância dos nossos governantes para combater essa outra praga: a exclusão social.
Pode parecer ingênuo ou piegas, mas se houvesse menos investimentos em viadutos, pontes e prédios faraônicos que alimentam a vaidade de quem lhes empresta o nome e, não raro, engorda dos bolsos de quem patrocina a obra; e fossem injetados mais recursos em educação, saúde, esporte e geração de empregos, muito provavelmente essas duas jovenzinhas não estariam ali, sob o viaduto, comercializando o corpo e a alma.
As duas meninas captadas pelas lentes de Oziel Aragão, se prostituindo em troco de 5 ou 10 reais, submetidas a humilhações, constrangimentos e muitas vezes agressões físicas; se multiplicam em viadutos, postos de gasolina e restaurantes ao longo da BR 101 e em outras rodovias brasileiras.
São centenas, milhares delas, num desfile de corpos desde cedo marcados pela brutalidade. Meninas-moças precocemente transformadas em mulheres sofridas, sem presente e sem perspectiva de futuro.
Jovenzinhas que deveriam estar na escola ou em atividades de esporte e lazer, lançadas à incerteza das estradas da vida.
Empurradas para a prostituição pela fome, pela desestrutura familiar e, conseqüência natural, pela necessidade de manter o vício das drogas.
As duas meninas sob o viaduto Paulo Souto vendem o corpo não apenas para saciar a fome, comprar roupas e perfumes baratos e eventualmente ajudar no sustento de famílias paupérrimas.
Elas oferecem ao primeiro que aparece por uma quantia irrisória também para comprar crack, essa bomba-relógio de efeito devastador.
É como se a uma tragédia pessoal se acrescentasse outra, mais outra e mais uma outra, compondo a tragédia coletiva da prostituição infanto-juvenil.
Pena que fotos que falam por mil palavras e palavras que tentam acrescentar o que as fotos falam, por mais que despertem compaixão e/ou indignação, não sirvam para mudar a vida das duas garotas do viaduto.
Por que isso não depende de compaixão ou indignação, mas de ação.
Na prática, sempre haverá gente interessada em construir mais viadutos, mais pontes, mais prédios suntuosos.
Quanto às meninas do viaduto e suas colegas de infortúnio, bem, elas que se fodam!
MANCHA VERMELHA NO PARAÍSO
Descoberta/ocupada pelos portugueses em 1500, redescoberta pelos hippies no final da década de 1970 e ocupada pelos ricos e famosos de todo o mundo a partir da década de 1990, Porto Seguro sempre foi cantada em prosa e verso como a versão terrena do paraíso divino prometido por Deus, depois que Seu Magnífico Esforço de Seis Dias, a criação da Terra, apresentou, digamos, falhas de projeto por conta daquela que parecia ser sua obra-prima: o ser humano.
Terra mágica, de belezas naturais estonteantes e de um astral capaz de relaxar o mais renhido dos estressados, Porto Seguro se transformou num dos principais pólos turísticos do país e ganhou até um aeroporto de padrão internacional, privilégio reservado a poucas cidades de seu porte e que dá bem uma idéia de sua importância.
De pousadas baratas a hotéis ultra-estrelados, Porto Seguro virou uma espécie de Meca do turismo de todos os níveis sócio-econômicos e onde todos convivem na mais perfeita harmonia, seja nas praias sempre lotadas, nos shows que parecem não acabar nunca e nos carnavais que rompem as datas oficiais e duram quase duas semanas.
Porto Seguro de todos os sotaques, todos os idiomas, das lojinhas de artesanato e das lojas de grife, dos restaurantes das comidas simples e baratas e dos estabelecimentos de cozinha internacional e preços na estratosférica.
Enfim, Porto Seguro que é sinônimo de alegria.
Pois é essa cidadã-paraíso (pelo menos para quem a visita e não necessariamente para quem reside lá) que foi manchada de sangue pelo brutal assassinato de Álvaro Henrique Santos, de 28 anos.
Álvaro era presidente do Sindicato dos Professores de Porto Seguro e foi vítima de uma emboscada. Levou um tiro na cabeça, chegou a ser transferido para Salvador, mas não resistiu aos ferimentos.
Na mesma emboscada, morreu outro professor, Elisney Pereira, de 31 anos.
O líder sindical foi atacado num sítio pertencente à sua mãe, feita refém pelos bandidos. A polícia descarta a hipótese de tentativa de assalto e trabalha com a possibilidade de atentado.
Álvaro Henrique Santos comandava uma campanha salarial em Porto Seguro, com ampla mobilização da categoria, que pela primeira vez conseguiu se organizar para reivindicar melhores salários e condições dignas de trabalho.
O presidente do Sindicato dos Professores foi vítima de uma violência inaceitável que se torna ainda mais absurda se for comprovado que ele morreu por conta de sua militância em defesa dos companheiros de profissão.
Não é o caso de transformar o professor Álvaro num mártir, porque é preferível mil vezes o batalhador vivo do que o herói morto.
É o caso, isso sim, de apurar esse crime com rigor e punir não apenas os assassinos, mas também e principalmente os mandantes.
A cidade que tanta gente que aprendeu a gostar não pode se transformar num paraíso de impunidade, um faroeste sem lei.
Que se faça justiça, pois!
UM FILME SOBRE INSEGURANÇA
Imagens colhidas pelo sistema de câmeras de um supermercado de Itabuna e exibido na internet mostram uma mulher sendo roubada enquanto fazia compras.
Ao contrário do que possa parecer, não tem nada a ver com os preços extorsivos cobrados em boa parte dos estabelecimentos do gênero.
Foi roubo no sentido literal, mesmo.
As imagens, feitas de diversos ângulos, focam uma cliente percorrendo as gôndolas do supermercado e enchendo o carrinho de compras.
Mostram também outras clientes circulando, sem despertar qualquer suspeita.
Aos poucos, as imagens vão deixando claro que três mulheres estão menos interessadas nas mercadorias e mais em aproveitar um descuido de alguma cliente para cometer o delito.
E o descuido acontece.
Uma cliente para o carrinho de compras no corredor central e vai até uma prateleira num dos corredores laterais. Desafortunadamente, deixa a bolsa dentro do carrinho.
Em questão de segundos, uma das ladras pega a bolsa, se livra do carrinho que carregava para disfarçar, passa a bolsa para outra ladra, e ambas deixam o supermercado com a cobertura da terceira envolvida no roubo.
As imagens, agora da área externa, mostram as três mulheres no estacionamento do supermercado, caminhando na maior tranqüilidade.
Tudo registrado em detalhes pelas câmeras.
É de se supor, portanto, que o final das imagens mostre as três mulheres sendo detidas pelos seguranças do supermercado e entregues à polícia.
Fiquemos na suposição.
Filmadas à exaustão, numa espécie de big brother do crime, as mulheres fugiram tranquilamente e devem estar aplicando o mesmo golpe em outros supermercados ou até mesmo no próprio local.
Inacreditável que, diante de um roubo filmado com tanta clareza, ninguém tenha se dado ao trabalho de acionar a segurança. Não é para isso que, entre outras coisas, o sistema de vigilância por imagens existe?
É tentador perguntar: se em vez da bolsa de uma cliente indefesa, as mulheres tivessem roubado um quilo de feijão, um pacote de açúcar ou uma lata de leite teriam saído com a mesma tranqüilidade?
Ou teriam sido imediatamente barradas pela segurança?
O fato é que houve uma falha e falhas devem ser corrigidas.
Já não basta a insegurança nas ruas, onde a qualquer momento o cidadão pode ser vítima de um bandido. Até o simples ato de fazer compras se tornou arriscado.
Não dá para ficar tranqüilo nem num ambiente exageradamente vigiado, com câmeras acompanhando cada movimento.
O que se materializou no supermercado em questão, que certamente vai ressarcir a cliente e tomar mais cuidado com a vigilância, foi um filme sobre insegurança produzido por um sistema de segurança.
Você está sendo filmado.
Mas não há porque sorrir.
PROFISSÃO PERIGO
Morreu na tarde desta quarta-feira, no Hospital São Rafael, em Salvador, o presidente do Sindicato dos Professores de Porto Seguro, Álvaro Henrique Santos, 28 anos.
Ele foi submtido a uma ciruriga para retirada de uma bala na cabeça na sexta-feira passada, depois de sofrer um atentado no dia anterior,
em Porto Seguro, quando quatro homens invadiram o sítio de sua mãe.
Os bandidos mantiveram reféns a mãe e o irmão do sindicalista e os obrigaram a ligar para Álvaro Henrique. Quando ele chegou ao local, acompanhado do amigo Elisney Pereira, 31, que acabou morto pelos bandidos.
O LEGISLADOR DE PIPAS
Devem estar mesmo tranqüilas as coisas na aprazível Ilhéus.
Com a cidade funcionando às mil maravilhas, não é que um vereador apresentou um projeto proibindo o uso de cerol nas pipas!
A alegação de que o cerol oferece riscos, já que pode provocar até estrangulamento, é aceitável, mas cá pra nós: como e quem vai fazer a fiscalização?
Ou será que no bojo da Lei do Cerol virá outra, criando os Fiscais de Pipas?
Nos tempos do imortal Stanislaw Ponte Preta, isso dava Febeapá com louvor.
MEU CARRO ERA VERMELHO
Um veículo Gol de cor vermelha, totalmente destruído, chama a atenção de quem passa pela praça Olinto Leone, no coração de Itabuna.
Naquele monte de ferro retorcido, está a história de uma vida.
Ou melhor, a história de uma morte.
Mais uma entre milhares de mortes nessa guerra sangrenta em que se transformou o trânsito brasileiro, sem contar os incontáveis feridos, alguns deles condenados a viver numa cadeira de rodas ou numa cama pelo resto de seus dias.
O que restou do carro vermelho está sendo exibido como parte da programação da Semana Nacional do Trânsito, uma bela iniciativa que envolve a prefeitura e outras instituições.
É certamente a demonstração mais cruel do que a imprudência, essa praga que parece fazer parte do código genético dos nossos motoristas, pode provocar.
Mais do que as condições das estradas ou eventuais falhas mecânicas, é a imprudência, que beira a irresponsabilidade, a responsável direta pela esmagadora maioria das mortes no trânsito.
Excesso de velocidade, ultrapassagens arriscadas, consumo de bebida alcoólica e desconhecimento (ou desobediência) das leis de trânsito, formam os componentes que deságuam nas estatísticas estarrecedoras.
E aí estão as mortes diárias, brutais, ceifando vidas e provocando a dor em familiares e amigos.
Os veículos, que deveriam servir para facilitar a locomoção e gerar conforto, acabam se transformando em verdadeiras máquinas de matar.
Daí a necessidade não apenas de punição, que deve ser feita com rigor para enquadrar assassinos em potencial travestidos de motoristas, mas principalmente de educação no trânsito.
È preciso orientar desde a infância, sobre a necessidade de obedecer as leis de trânsito, dirigir com responsabilidade, respeitar os pedestres.
Educar para, justamente, não precisar exibir veículos transformados em destroços. Para formar uma geração de motoristas responsáveis, que zelem não apenas pela própria segurança, mas também pela segurança dos outros, tantas são as vítimas inocentes da imprudência.
A Semana Nacional do Trânsito inclui ainda outras ações de cidadania, mas é basicamente um alerta para a necessidade de mudança de postura, um chamamento à responsabilidade, ao bom senso.
Uma reflexão.
Não é justo que tantas vidas sejam ceifadas, que tanta gente sofra por algo que pode ser evitado.
Não é justo que esposas esperem maridos, maridos esperem esposas, filhos esperem pais, pais esperem filhos e amigos esperem amigos sem saber se eles sobreviverão a essa absurda guerra cotidiana do trânsito.
Não é justo que carros vermelhos, amarelos, azuis, brancos, pretos, etc. sejam transformados em montes de ferro velho, levando junto o mais precioso dos bens: a vida.
A ÚLTIMA VÍTIMA
A Bahia viverá na próxima segunda-feira, dia 21 de setembro, um momento único por aquilo que traz de simbolismo.
Neste dia, que já pode ser qualificado como histórico, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Governo da Bahia realiza um ato de reparação, reconhecendo a responsabilidade do estado no assassinato do jornalista Manuel Leal, por não garantir sua segurança e liberdade de expressão.
Trata-se da primeira vez que um estado brasileiro acata uma recomendação do Comitê Interamericano de Direitos Humanos, entidade que solicitou a reparação.
Manuel Leal, diretor do semanário A Região, foi assassinado em janeiro de 1998, numa emboscada em frente à sua residência no Jardim Primavera, bairro da periferia de Itabuna, a poucos metros das sedes da Polícia Civil e do Batalhão da Polícia Militar.
Na época, o jornal vinha fazendo denuncias fartamente comprovadas contra autoridades municipais e estaduais.
O crime foi uma espécie de “crônica de uma morte anunciada” e só não entrou para a extensa lista de assassinatos insolúveis e nem caiu no completo esquecimento por contra da reação de uns poucos órgãos de imprensa e de instituições como Repórteres Sem Fronteiras, Sociedade Interamericana de Imprensa e Comitê de Proteção a Jornalistas.
Após uma investigação capenga, processos conduzidos com notória displicência e a reabertura do caso por insistência da Justiça, apenas o policial militar Monzat da Costa Brasil foi condenado pelo crime, mas ainda assim manteve o cargo público.
Aos mandantes do brutal assassinato, a mais completa e doce impunidade
A reparação feita pelo Governo da Bahia, longe de transformar Manuel Leal num mártir que ele nunca foi nem pretendeu ser, é uma afirmação inquestionável em defesa da liberdade de expressão, um preceito fundamental para o exercício da democracia.
Leal foi o caso de maior repercussão, mas não foi o único.
Numa década especialmente sangrenta para a imprensa baiana, dez profissionais de comunicação foram assassinados nos anos 90. Pelo menos a metade desses homicídios esteve relacionada diretamente ao exercício da profissão.
A impunidade foi a regra em absolutamente todos os crimes.
Foi certamente a mobilização e a resistência quase heróica de um pequeno grupo de jornalistas que não se intimidaram e nem deixaram que o jornal que foi a razão de viver e morrer de Manuel Leal sucumbisse, como certamente era o desejo de seus algozes; que impediu novas mortes de profissionais de imprensa.
Desde então, nenhum outro jornalista foi assassinado na Bahia.
Encerrou-se um ciclo trágico, que a reparação do Estado reverbera como um compromisso, nem sempre possível de cumprir, de zelar pela segurança e integridade dos que não se curvam aos poderosos de plantão e insistem em fazer jornalismo com dignidade.
Mas trata-se de uma situação só se encerrará quando à reparação se somar o fim da impunidade dos que acham que a violência pode calar uma voz.
Pode até calar, mas gera outras e outras vozes, que não apenas sonham, mas também acreditam na Justiça.
Que tarda, falha, mas quem sabe um dia chega.
Se não para Leal, mas para aqueles que teimam em não deixar a chama se apagar.