WebtivaHOSTING // webtiva.com . Webdesign da Bahia
hanna thame fisioterapia animal

prefeitura itabuna sesab bahia shopping jequitiba livros do thame




Daniel Thame, jornalista no Sul da Bahia, com experiência em radio, tevê, jornal, assessoria de imprensa e marketing político danielthame@gmail.com

abril 2024
D S T Q Q S S
 123456
78910111213
14151617181920
21222324252627
282930  


:: ‘revista VICE’

Nossa Senhora de minissaia, sequestro pela TFP e três mil quadros: Waldomiro de Deus

WD foto Guilherme Santana VICE

Por Daniel Solyszko, revista VICE, com fotos de Guilherme Santana

Com expressões entre a incredulidade e a incompreensão, um grupo de crianças de cerca de 10 anos de idade observa um senhor ao lado de um quadro de sua autoria, explicando como resolveu atualizar a imagem tradicional de Nossa Senhora ao retratá-la usando minissaia quando o item era a última moda em redutos como a Rua Augusta, em São Paulo, na década de 1960. Autodidata, o baiano Waldomiro de Deus começou a produzir e expor em 1962; em pouco tempo, passou a ser considerado um dos artistas primitivos (ou naifs) mais importantes do país.

A trajetória de vida de Waldomiro – com 71 anos de idade e morando atualmente em Goiânia – começa no interior da Bahia e passa por São Paulo, onde saiu das ruas para começar a pintar, e pela Europa, onde morou em diversos países e começou a expor ainda no final dos anos 60, até a consagração e o reconhecimento internacional em países tão diversos quanto Itália, Israel e Eslovênia, onde foi recebido calorosamente por ocasião do seu 69º aniversário.

A cena com o grupo escolar de crianças ocorreu no Museu Afro Brasil, em São Paulo, que possui diversas obras suas no acervo – e onde Waldomiro falou com exclusividade para a VICE. “A obra de arte fala, grita e, às vezes, te agride. Eu tenho essa inquietação muito grande de materializar algo através do meu trabalho”, diz. Essa inquietação o levou a viver uma vida intensa e agitada, que inclui episódios insólitos como um sequestro realizado por membros da TFP (Tradição, Família e Propriedade), perseguições com armas sofridas por andar de minissaia nas ruas, encontros na Europa com o compositor Geraldo Vandré e o surrealista Salvador Dalí, além de participações em filmes de Carlos Reichenbach e José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Sempre com anedotas divertidas e curiosas, Waldomiro comentou esses e outros episódios polêmicos da sua existência.

WD foto Guilherme Santana 2 VICE

VICE: Qual foi seu primeiro contato com as artes plásticas? Como e por que você começou a pintar?
Waldomiro de Deus: Eu era um garoto inquieto de Itagibá, no interior da Bahia, que veio para São Paulo com 12 anos. Era o sonho de todos os baianos vir trabalhar aqui. Comprar um aparelho de rádio, pôr no ouvido e escutar uma música eram uma vitória. Quando cheguei, fui engraxate, fiquei jogado nas ruas. Fui pedir um pão e um café para um policial da Guarda Civil, e ele acabou me levando parar morar na casa dele, em Osasco. O tempo foi passando, e fui movimentando minha vida, engraxando sapatos e entregando panfletos de lojas.

Saí da casa do sargento e vim procurar emprego no centro de São Paulo – e acabei achando um trabalho como jardineiro na casa de um italiano, o Pierre Zacoppe. No fundo dessa casa, achei tinta, guache, cartolina e pincel. Pedi aquele material para ele e comecei a jogar tudo aquilo que eu tinha dentro de mim para fora. Aqueles papéis começaram a ser preenchidos com as figuras e as lendas que eu ouvia na Bahia: o folclore, as histórias de lobisomem, mula sem cabeça e saci pererê. Tudo isso ia tomando forma nas folhas de cartolina, eu pintava a noite toda. Meu primeiro desenho foi um enterro.

WD foto Guilherme Santana 3 VICE

De onde veio a inspiração para essa primeira obra?
Na minha infância, no interior da Bahia, a gente morava numa casinha de tábua sem paredes e ficava vendo aquela lua bonita que resplandecia sobre o rio. Uma noite, eu estava por ali olhando os jumentos e os cachorros latindo na rua, e ouvi uma sanfona tocando, e uma poesia numa voz que cantava “Abre a porta, Pedro, deixa clarear, que o anjo vai pro céu fazer morada lá”. Era uma fila de gente conduzindo o enterro de uma criança até um cemitério.

Transmitia essas coisas nas folhas de cartolina que achei na casa até que, um dia, o italiano me mandou embora – e fui para o Viaduto do Chá com meu trabalho. Lá, passou um americano e quis comprar duas obras. Quando isso aconteceu, eu estava sem lugar pra ficar e não sabia pra onde ir. Peguei o dinheiro da venda e consegui alugar uma vaga em um quarto na [Rua] Conselheiro Furtado – e fui morar lá. Foi assim que teve início minha carreira como pintor, em 1962.

WD foto Guilherme Santana 4 VICE

Você já tinha algum interesse em arte antes disso, ou foi apenas uma questão de usar o material e ver o que saía dali?
Não conhecia arte nenhuma, não sabia de nada. Era do interior: minha vida era ficar correndo atrás de jumento, de tatu para comer, de pegar peixe. Arte é para gente de sensibilidade, de cultura, que tem uma certa formação, que tem uma visão aberta. Eu apenas despertei dentro daquilo [o] que eu tinha dentro de mim.

Como você acabou expondo pela primeira vez?
Naquela época, eu conheci o jornalista Rossini Tavares de Lima e o professor Américo Pellegrini, da USP, que ajudaram a organizar a primeira exposição da qual eu participei, em 1962, no Parque da Água Branca. Nela, eu coloquei 40 desenhos, e apareceu um homem meio desaforado que dizia: “Me piace molto questi quadri”. Ele perguntou quanto era e pediu pra levar dez daqueles quadros. Era o Marchese Terry Della Stuffa, o maior decorador de São Paulo na década de 60, alguém da alta elite. Ele queria saber por que eu não pintava a óleo, e eu respondi que não tinha lugar nem material para isso. Esse homem me ofereceu uma casa no final da Avenida Rebouças, me levou pra lá e deu tudo o que eu queria: comprou todo o material e disse “Se deslancha”.

Depois dessa exposição, fiz outra muito importante na Galeria São Luís, por volta de 64 ou 65, que, na época, era a mais importante que havia em São Paulo. Eu havia conhecido na casa do Marchese o professor Mário Schenberg, que era crítico de arte, físico e cientista. Ele olhava meus quadros fumando um charutão e dizia que achava meus quadros muito interessantes. “Você tem um desenho muito ousado, muito forte”, ele dizia. Ele começou a me visitar e logo se tornou meu segundo anjo no sentido de ajudar a minha carreira. O professor me dava muitas dicas no sentido de conseguir atingir um equilíbrio na minha pintura, me dizendo o que eu podia mudar ou melhorar. Comecei a gostar muito dele por isso.

O Marchese ficou com um certo ciúme. Ele gostava de uma pintura mais decorativa, com paisagens. Quando eu fazia quadros que falavam dos problemas sociais da Bahia, ele já não gostava tanto. Então, saí da casa dele e vim morar na Rua Augusta.

Você passou um tempo morando na Rua Augusta, quando chegou a participar de um curta-metragem do Carlos Reichenbach, Esta Rua Tão Augusta. Como foi esse período e como você acabou participando do filme?
A Augusta era a rua dos beatniks, dos hippies, da tropicália que estava surgindo. Saí de onde tinha todo o conforto para seguir minha carreira, meu mundo, e fui morar num quarto lá. O Marchese queria me jogar no mercado com tudo: trouxe o Pietro Maria Bardi para me conhecer junto com várias outras pessoas da sociedade, ficava organizando coquetéis. Eu estava indo muito bem financeiramente, cheguei a comprar meu primeiro terreno na época, em Osasco, onde depois construí uma casa.

Mas eu preferi seguir o rumo do professor Mário. Eu me perguntava que homem era aquele que conseguia ler meu trabalho, com aquelas pessoas simples que eu pintava, do interior, que estavam em busca de alguma coisa, às vezes passavam fome. E aí não soltei mais dele: ia vender uns quadros na sua casa, e a esposa nos servia sempre um bife a cavalo de almoço.

Foi nessa época que apareceu o Carlos Reichenbach, que me disse: “Waldomiro, quero fazer um documentário com você”. Nisso, ele começou a pesquisar o meu trabalho e gostou muito. Isso acabou se transformando no curta Esta Rua Tão Augusta. Foi outro artista da época, o Cássio M´Boy, que disse para o Carlos que eu iria me tornar o maior pintor de destaque internacional do Brasil. E, logo em seguida, eu pintei a Nossa Senhora Aparecida de minissaia, que causou polêmica, e acabei participando do filme.

WD foto Guilherme Santana 6 VICE

E como surgiu a ideia de pintar esses quadros misturando Jesus e Nossa Senhora com botas, cintas-liga e minissaias? Você era religioso na época?
Não. Apenas da maneira como todo mundo é um pouco religioso, de certa maneira. Quando morava na Augusta, eu tinha uma Madonna que minha mãe havia me dado quando eu era pequeno, com roupa comprida. E, na época, a Augusta era a rua da moda, e, um dia, voltando pra casa depois de ver todo aquele luxo, pensei em pegar a Nossa Senhora, tirar aquele vestido comprido e botar uma roupa moderna da época. Aí comecei a pintar vários quadros com ela de minissaia, de bota, passeando na Rua Augusta. Mas não sabia que ia dar o quebra-pau que deu, com padres correndo atrás de mim e essa coisa toda.

Foi nessa época que você foi sequestrado por integrantes da TFP?
Quando isso aconteceu, eu já tinha saído da Augusta e morava do lado do Teatro Ruth Escobar. Tinha acabado de participar de um programa de televisão da Dercy Gonçalves, e vieram três caras que meteram um revólver em cima de mim. Eles disseram: “Olha, você está pintando coisas que estão escandalizando a Igreja”. Eles ficaram apontando a arma para minha cabeça e acabaram me levando para um matagal no Morumbi. Ameaçaram me matar e tudo. Eu perguntei: “Escuta, vocês são religiosos?”. Aí falei pra eles que não era religioso, mas jamais faria uma coisa daquelas. Religião é amor. Jesus já dizia pra você oferecer a outra face se alguém lhe desse um tapa na cara. Eu via aqueles caras que se diziam religiosos, mas não tinham um pingo de amor e nem sabiam o que era isso. Me deixaram nu no meio do mato, mas acabei saindo e chegando em casa, na Rua dos Ingleses. Foi uma situação bem dramática.

Depois disso, aconteceram algumas situações que me despertaram para a religião. Passaram a aparecer vários mistérios dentro da minha pintura de uma maneira espiritual.

Nessa época da Augusta, você também usava minissaia, não é?
Usei. Depois que eu pintei a Nossa Senhora de minissaia, eu fui a uma loja e a dona me perguntou por que eu não usava também. Ela me mostrou uma minissaia da loja, e eu perguntei quanto ela me pagava para que eu usasse. Ela me pagou 200 cruzeiros, e eu disse que iria andar na rua com ela. Saí usando na Augusta e no Viaduto do Chá, e todo mundo gritava “bicha! bicha!”, e a imprensa começou a vir em cima de mim. Aí virei manchete em todos os jornais. E era uma época em que ser bicha era quase nobre, as pessoas até davam uma de bicha para fazer sucesso.

Então, eu comecei a sair bastante na imprensa e, em 1970, fui chamado para participar do programa Quem Tem Medo da Verdade?, onde levei os quadros da Nossa Senhora de minissaia. Era uma mesa-redonda que recebia convidados como o Roberto Carlos e a Cacilda Becker. Era um programa terrível, tinha pessoas como o Carlos Manga entre os entrevistadores. Aí me botaram no meio usando uma saia, com bota, colar e cabelão black power, além de um casaco inglês que eu tinha trazido da Europa. Um negócio de louco, parecia um príncipe da África.

Os caras me xingavam muito, ficavam perguntando como eu tinha coragem de pintar a Nossa Senhora de minissaia. Aí chegou uma mulher e disse “O homem que anda de minissaia, pra mim, não é homem”. Eu respondi “Se a senhora acha que eu não sou homem, vou mostrar pra você”. Aí tirei meu casacão inglês, fiquei só com o colar cobrindo o peito e desci a saia. O programa foi cortado do ar na mesma hora. Só 30 minutos chegaram a ser exibidos, e cortaram o resto.

WD foto Guilherme Santana 5 VICE

Ainda assim, você sofreu algum tipo de perseguição por conta disso? A polícia te parou na rua alguma vez por usar saia?
Não. A polícia sempre me ajudou muito, os jornalistas ajudavam também. Quando as pessoas começavam a gritar demais, me chamando de “bicha”, eles me botavam dentro de algum carro pra fugir da multidão e me levavam pra outro lugar. Um dia, um cara até correu atrás de mim na Avenida Ipiranga com um revólver na mão.

Só que, para você, era só uma brincadeira, ou havia alguma vontade de escandalizar?
Não havia nada, eu apenas fazia tudo o que eu tinha vontade de fazer.

Todas essas histórias ocorreram durante a ditadura militar. Você chegou a sofrer alguma espécie de perseguição política por conta do conteúdo dos quadros?
Tinha alguma perseguição, mas não muita, na verdade. Eu também não percebia muita coisa. Os caras me vigiavam nessa época, mas daí eu acabei indo para a Europa, fui expor e morar lá por alguns anos.

Você chegou a participar do filme Finis Hominis, do José Mojica Marins, no papel de um hippie. Como era o seu contato com os hippies nessa época? Você se considerava um?
Sabe que participei de tantos filmes [de] que já não me lembro direito. Era uma época tão maravilhosa, em que fiz tanta coisa… esse período era uma coisa muito louca, tão louca que você não queria nada. Era hippie, era beatnik, era tudo louco. Esse quarto que tive na Rua Augusta passou a ser um lugar de encontro dos hippies. Eu organizei um encontro hippie em Osasco onde foi uma multidão de jovens pra lá, havia uma fila de gente de pé. Foi o primeiro encontro hippie do Brasil, por volta de 1967. Tinha um grande campo para cima da minha casa, e ele lotou de jovens que vinham de toda parte, do Rio, de Minas. Você entrava dentro dessa casa que eu tinha, e, em uma sala, tinha samba; em outra, tinha rock; em outra, música sertaneja.

Lá também tinha uns caixões de defunto. Eu acabei comprando um caixão porque queria pintar uma pessoa dentro dele. Aí um cara veio trazer esse caixão em casa procurando um morto que se chamava Waldomiro de Deus. Nisso saiu um povo correndo do colégio que tinha do lado de casa para saber se eu tinha morrido. Como a gente estava construindo a casa na época, eu acabei comprando dois caixões – e eu dormia dentro de um deles. Eu dormia em um e minha mulher, no outro, e meus dois filhos dormiam na tampa.

Você conseguiu ganhar algum dinheiro produzindo arte?
Que nada, moço. Mas agradeço muito a Deus pelo que ele me deu. Tenho seis filhos maravilhosos, todos de nome hebraico por causa da minha paixão por ter vivido em Israel. Mas não sei ganhar dinheiro. Eu sei que, um dia, meus quadros custarão caro. Talvez dentro de uns dez anos.

Quantos quadros você já pintou?
Produzi mais de três mil que estão espalhados pelo mundo inteiro.

Você passou um período morando no exterior. Por quais países você passou?
Fiquei morando cinco ou seis meses em cada lugar. Passei pela Itália, França, Bélgica, Alemanha, Holanda, Inglaterra. Tenho uma paixão muito grande pela Itália, por Israel e pela Grécia.

Nesse período, você encontrou pessoas como o Geraldo Vandré e o Salvador Dalí. Como isso ocorreu?
Em relação ao Vandré, eu morava em Paris na época, no segundo andar de um prédio, e ouvi uma briga no andar de baixo. Era ele, que estava discutindo com uma chilena que vivia com ele na época. Ouvi a discussão em espanhol e desci para perguntar para eles o que estava acontecendo, porque estava todo mundo olhando. Aí acabamos fazendo amizade, ele começou a aparecer em casa: vinha tocar violão enquanto eu pintava.

Ele morava numa cidade chamada Sablé, e, às vezes, eu ia lá visitar. Uma vez, quase morremos: estava com ele dentro do carro, e entramos debaixo de um caminhão. Era 1 hora da madrugada. Entramos numa curva, e tinha um caminhão lotado. Ele parou o carro, e a salvação foi que o outro motorista parou também. Era uma pessoa muito boa, mas, depois, tive um problema com ele quando fomos para a Bélgica. Estávamos cruzando a fronteira, e a polícia achou um pedaço de haxixe no carro dele. Era apenas dele, mas nós dois fomos presos. Disse pra ele assumir que era dele, mas ele ficou quieto e não falou nada. Na época, eu nem sabia o que era: aquilo era tão pequeno que parecia até um pedaço de chocolate. Ficamos um dia e uma noite presos, aí liberaram e voltamos pra França. Depois disso, eu fui para a Itália morar em Bolonha.

Na ocasião, eu achei que seria expulso da França, mas isso não aconteceu. Fui umas três vezes lá, fiz muitas exposições. E uma delas teve a presença do Salvador Dalí. Cheguei a conversar com ele, mas não entendia quase nada. Uma senhora amiga minha me levou no ateliê dele, mas, quando chegamos lá, ele não estava. Ela deixou um bilhete, e ele acabou passando depois na minha exposição. Ele viu meus quadros e elogiou em francês. Dizia “Waldomiró de Dieu”, e aí me puxou pelo braço e me deu um beijo com aquele bigodão. Eu fiquei ali sem saber direito quem ele era. Me perguntaram se eu conhecia o trabalho dele, disseram que era um grande surrealista, mas, não, eu não conhecia. Ele disse que gostou muito das obras e parabenizou, mas foi uma visita rápida. Por sorte, tinha um repórter da Manchete por lá, mas ele ficou louco de raiva porque não havia um fotógrafo para registrar a cena. Mas ele escreveu uma nota sobre o encontro, e saiu na revista na época.

Você falou sobre seu contato com os hippies. Chegou a experimentar alguma droga nessa época?
Não, eu nem conhecia. Eu era muito bobão, garotão do interior da Bahia. Mas eu via gente mal de tanto usar. A educação que recebi do policial que me ajudou sempre me avisava para tomar muito cuidado com essas coisas.

Queria que você comentasse alguns elementos que são muito presentes na sua obra. Por que as figuras humanas são todas morenas?
As minhas figuras são morenas porque o Brasil é um país de muita mistura. Quando eu olho para o ser humano, não vejo cor. O Brasil sempre teve pessoas de todos os cantos: europeus, índios, africanos. Sempre fui de conhecer pessoas de diversos tipos, fazer amizade e trazer para dentro de casa – às vezes, até para morar.

Uma vez, lá em Osasco, eu vi na rua uma mulher com a cara toda quebrada. Perguntei de onde ela era, e ela respondeu que tinha vindo de Pernambuco com o namorado, que o carro em que eles estavam havia batido e que ele havia morrido. Ela tinha saído do hospital e estava na rua, estava procurando pão velho no cesto de lixo para comer.

Eu já estava casado na época; então, eu e minha esposa a levamos pra casa, cuidamos, levamos no médico. Depois de oito meses com a gente, ela me disse que nossa vida era muito diferente, muito espiritual, e que ela queria curtir a vida, cair na gandaia. Alguns dias depois, me ligou bêbada às duas da madrugada: estava num lugar de prostituição. Tinha dado dinheiro pra voltar pro Nordeste, tinha ajudado, mas ela realmente não quis; então, tive de falar pra ela seguir seu rumo. Mas, hoje, ninguém tem a disposição de pegar as pessoas e ajudar assim.

E por que existem tantos cachorros nas suas obras?
Todos os quadros meus produzidos até 2005 tinham três ou quatro cachorrinhos. Depois, eu comecei a pintar uma série de quadros que mostrava a política no Brasil e o que ia acontecer no futuro. Um dos quadros mostrava frutos podres caindo dos prédios de Brasília. Aí eu cortei os cachorros porque comecei a ver muita cachorrada na política. Era cachorrada demais.

Com que artistas você sente alguma afinidade? De quem você gosta ou admira?
Dos brasileiros, gosto muito do Portinari e do Di Cavalcanti. O primeiro tem uma raiz brasileira muito forte e explorou muito o tema do sofrimento, do caboclo, do homem brasileiro, da nossa cultura. Gosto muito dos modernos e dos autodidatas, porque eles têm uma pintura que não engana: é algo que fala, que mostra a cultura, a religiosidade, os problemas sociais. Dos antigos, gosto muito do Bosch. Gosto do Salvador Dalí também, que tem um trabalho muito delicado com figuras decompostas, quebradas, misteriosas. Gosto do Picasso.





WebtivaHOSTING // webtiva.com.br . Webdesign da Bahia