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Daniel Thame, jornalista no Sul da Bahia, com experiência em radio, tevê, jornal, assessoria de imprensa e marketing político danielthame@gmail.com

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:: ‘As voltas de Sebastião’

As voltas de Sebastião

André Maynart Cunha Alves

Diziam que na Serra do Catolé, no sertão pernambucano, 2 enormes e douradas pedras em forma de torre eram encantadas. O conjunto, chamado de Pedra Bonita, continha em si o mitológico Dom Sebastião – o rei português que se aventurou a conquistar o norte africano e, após a derrota na batalha decisiva, nunca mais foi visto.

Apesar da sua belicosidade e de suas ilusões de grandeza, sem trazer prosperidade ou realizar nenhum feito notável, exceto começar uma guerra inútil, os portugueses clamavam pela volta do rei. Impostores surgiram – alguns que nem sequer sabiam falar português e alegavam ter esquecido a língua no cativeiro -, profecias foram emitidas e a volta de Sebastião tornou-se um fato conhecido. Viria numa manhã de nevoeiro, num tempo oportuno.

Quando Portugal perdeu sua independência com a União Ibérica, adivinhos e bruxas encontraram sinais claros de que ele voltaria de uma ilha – a Ilha Encoberta – para devolver a independência àquele país, criar um Império mundial e trazer prosperidade. Quando Napoleão invadiu Portugal, ainda havia quem confiasse que o rei, que teria 285 anos então, voltaria para comandar a resistência portuguesa.

Mas Dom Sebastião nunca voltou, porque, na verdade, estava encantado entre duas pedras no interior de Pernambuco. Um arraial foi formado em volta delas, e um homem chamado João Ferreira assumiu a liderança após seu cunhado, fundador do arraial, abandonar o lugar – e o mais provável é que o tenha feito porque nem o próprio fundador acreditava no que dizia. Mas no meio da miséria, fome e sede, a ideia de prosperidade e igualdade para todos os homens não precisa de muita credibilidade para ser aceita.

João Ferreira não perdeu tempo e se autodeclarou rei. Fundou o Reino Encantado da Pedra Bonita e, logo em seguida, usando seus plenos poderes, exigiu que toda noiva, no dia anterior ao seu casamento, se deitasse com ele. E quando o rei declarou que lhe fora revelado, num sonho, que a pedra só iria desencantar com o derramamento de sangue humano, os seus fiéis não o questionaram.

38 pessoas foram sacrificadas para que Dom Sebastião voltasse, entre elas o pai e a esposa do rei. A morte da esposa fez com que o irmão dela declarasse, por sua vez, que lhe fora revelado, num sonho, que a Pedra precisava do sangue do rei João Ferreira para desencantar. E assim João Ferreira foi morto, em nome de Dom Sebastião.

Como se explica o sacrifício, feito por degolamento, de 38 pessoas para que volte um rei a um continente de distância? Parcialmente pela psicologia das massas e pelo conceito de “folie à plusieurs”, parcialmente pela miséria que tende a sempre radicalizar os homens e, em parte, pela herança cultural portuguesa da volta de um salvador que iria redimir as terras lusófonas e trazer prosperidade.

E quando deixamos essa herança de lado? Em que momento deixamos de acreditar na vinda do redentor numa manhã de nevoeiro? Quando se deixou de acreditar num Messias, mesmo que este trouxesse morte e caos?

Sebastião voltou, e voltou várias vezes, em várias manhãs de nevoeiro. Voltou como marechal de ferro, que encarnava a República e seus interesses, defendendo-a da revolução federalista e dos motins da Armada a preço de sangue e de terror. Foi decretado salvador da República, aclamado pelas ruas e, ao morrer, seu funeral durou 3 meses – e nesses 3 meses, houve quem morresse do coração e quem se jogasse, abraçado, ao caixão -. Também se popularizaram 3 versos que diziam o seguinte: “O grande Deus do Orbe Soberano/ Ao mundo não tem mais o que dar/ Depois que deu Jesus e Floriano”. Floriano Peixoto, hoje visto – quando é lembrado – como um ditador sanguinário, era o Messias, o Sebastião de sua época.

Sebastião voltou como um gaúcho da fronteira com a Argentina, que, depois de anos de perseguição, censura, prisão e morte de adversários políticos (aliás, nesse período foi fundado o infame DOPS), foi aclamado pelo povo como o pai dos pobres e reeleito à presidência. Apesar da brutalidade e autoritarismo, do personalismo e da exigência que houvesse seu retrato em cada prédio público, os avanços econômicos e os direitos cedidos aos trabalhadores tornaram-no messiânico. E, obviamente, quem tão perto chega à divindade tem o direito de mandar como quiser do jeito que desejar. Hoje, Getúlio Vargas é mais um personagem dos livros de história, mas foi o Sebastião de sua época.

Sebastião voltou como um governador que prometia uma revolução inteira em todas as instituições, proibindo de biquines a jogos de azar, para logo depois quase se lançar a uma guerra contra a França – e justo aí renunciou. Jânio Quadros hoje é visto como um louco, mas sua volta após seu curtíssimo governo foi anunciada tanto quanto a de Sebastião.

E Sebastião há de voltar, dizem. E em breve! “Os sinais apontam para sua chegada iminente”, gritam. Desta feita, voltará depois de estar escondido numa cidade dos Estados Unidos, esperando o momento oportuno em que os patriotas se organizem, as Forças Armadas intervenham e seja derramado sangue dos opositores (como se derramou na Pedra Bonita), para que ele possa governar e trazer a prosperidade que não pode trazer quando governou.

“Há de voltar, há de voltar.” Esbravejam aqueles que nunca perdem a ilusão que Sebastião irá voltar! Mais uma vez.

André Maynart Cunha Alves
É estudante e apaixonado pela história do Brasil





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