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Daniel Thame, jornalista no Sul da Bahia, com experiência em radio, tevê, jornal, assessoria de imprensa e marketing político danielthame@gmail.com

março 2024
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:: ‘André Maynart Cunha Alves’

As voltas de Sebastião

André Maynart Cunha Alves

Diziam que na Serra do Catolé, no sertão pernambucano, 2 enormes e douradas pedras em forma de torre eram encantadas. O conjunto, chamado de Pedra Bonita, continha em si o mitológico Dom Sebastião – o rei português que se aventurou a conquistar o norte africano e, após a derrota na batalha decisiva, nunca mais foi visto.

Apesar da sua belicosidade e de suas ilusões de grandeza, sem trazer prosperidade ou realizar nenhum feito notável, exceto começar uma guerra inútil, os portugueses clamavam pela volta do rei. Impostores surgiram – alguns que nem sequer sabiam falar português e alegavam ter esquecido a língua no cativeiro -, profecias foram emitidas e a volta de Sebastião tornou-se um fato conhecido. Viria numa manhã de nevoeiro, num tempo oportuno.

Quando Portugal perdeu sua independência com a União Ibérica, adivinhos e bruxas encontraram sinais claros de que ele voltaria de uma ilha – a Ilha Encoberta – para devolver a independência àquele país, criar um Império mundial e trazer prosperidade. Quando Napoleão invadiu Portugal, ainda havia quem confiasse que o rei, que teria 285 anos então, voltaria para comandar a resistência portuguesa.

Mas Dom Sebastião nunca voltou, porque, na verdade, estava encantado entre duas pedras no interior de Pernambuco. Um arraial foi formado em volta delas, e um homem chamado João Ferreira assumiu a liderança após seu cunhado, fundador do arraial, abandonar o lugar – e o mais provável é que o tenha feito porque nem o próprio fundador acreditava no que dizia. Mas no meio da miséria, fome e sede, a ideia de prosperidade e igualdade para todos os homens não precisa de muita credibilidade para ser aceita.

João Ferreira não perdeu tempo e se autodeclarou rei. Fundou o Reino Encantado da Pedra Bonita e, logo em seguida, usando seus plenos poderes, exigiu que toda noiva, no dia anterior ao seu casamento, se deitasse com ele. E quando o rei declarou que lhe fora revelado, num sonho, que a pedra só iria desencantar com o derramamento de sangue humano, os seus fiéis não o questionaram.

38 pessoas foram sacrificadas para que Dom Sebastião voltasse, entre elas o pai e a esposa do rei. A morte da esposa fez com que o irmão dela declarasse, por sua vez, que lhe fora revelado, num sonho, que a Pedra precisava do sangue do rei João Ferreira para desencantar. E assim João Ferreira foi morto, em nome de Dom Sebastião.

Como se explica o sacrifício, feito por degolamento, de 38 pessoas para que volte um rei a um continente de distância? Parcialmente pela psicologia das massas e pelo conceito de “folie à plusieurs”, parcialmente pela miséria que tende a sempre radicalizar os homens e, em parte, pela herança cultural portuguesa da volta de um salvador que iria redimir as terras lusófonas e trazer prosperidade.

E quando deixamos essa herança de lado? Em que momento deixamos de acreditar na vinda do redentor numa manhã de nevoeiro? Quando se deixou de acreditar num Messias, mesmo que este trouxesse morte e caos?

Sebastião voltou, e voltou várias vezes, em várias manhãs de nevoeiro. Voltou como marechal de ferro, que encarnava a República e seus interesses, defendendo-a da revolução federalista e dos motins da Armada a preço de sangue e de terror. Foi decretado salvador da República, aclamado pelas ruas e, ao morrer, seu funeral durou 3 meses – e nesses 3 meses, houve quem morresse do coração e quem se jogasse, abraçado, ao caixão -. Também se popularizaram 3 versos que diziam o seguinte: “O grande Deus do Orbe Soberano/ Ao mundo não tem mais o que dar/ Depois que deu Jesus e Floriano”. Floriano Peixoto, hoje visto – quando é lembrado – como um ditador sanguinário, era o Messias, o Sebastião de sua época.

Sebastião voltou como um gaúcho da fronteira com a Argentina, que, depois de anos de perseguição, censura, prisão e morte de adversários políticos (aliás, nesse período foi fundado o infame DOPS), foi aclamado pelo povo como o pai dos pobres e reeleito à presidência. Apesar da brutalidade e autoritarismo, do personalismo e da exigência que houvesse seu retrato em cada prédio público, os avanços econômicos e os direitos cedidos aos trabalhadores tornaram-no messiânico. E, obviamente, quem tão perto chega à divindade tem o direito de mandar como quiser do jeito que desejar. Hoje, Getúlio Vargas é mais um personagem dos livros de história, mas foi o Sebastião de sua época.

Sebastião voltou como um governador que prometia uma revolução inteira em todas as instituições, proibindo de biquines a jogos de azar, para logo depois quase se lançar a uma guerra contra a França – e justo aí renunciou. Jânio Quadros hoje é visto como um louco, mas sua volta após seu curtíssimo governo foi anunciada tanto quanto a de Sebastião.

E Sebastião há de voltar, dizem. E em breve! “Os sinais apontam para sua chegada iminente”, gritam. Desta feita, voltará depois de estar escondido numa cidade dos Estados Unidos, esperando o momento oportuno em que os patriotas se organizem, as Forças Armadas intervenham e seja derramado sangue dos opositores (como se derramou na Pedra Bonita), para que ele possa governar e trazer a prosperidade que não pode trazer quando governou.

“Há de voltar, há de voltar.” Esbravejam aqueles que nunca perdem a ilusão que Sebastião irá voltar! Mais uma vez.

André Maynart Cunha Alves
É estudante e apaixonado pela história do Brasil

Pelé foi mais

Pelé Eterno(Foto: Jorge Bispo/CBF)

André Maynart Cunha Alves

Pelé foi mais. Pelé foi mais do que foi nos campos; mais do que os 1200 gols que fez; mais do que suas 3 copas do mundo; mais do que suas 2 libertadores e seus 2 mundiais; Pelé foi mais do que seu 6 brasileiros; mais do que seus 144 gols contra europeus.

Pelé foi mais. Pelé foi mais do que inventar uma posição nova no futebol – a do 10 clássico, que passa e orquestra o ataque, dribla e humilha a defesa e chuta de longe ou de perto. Pelé foi mais que completíssimo: não se sabe até hoje qual é a perna forte dele, pois as duas levavam a bola ao gol certo; não se sabe se ele rendia mais como 9 – pois finalizava como os melhores centroavantes – ou como um 8 – pois passava como os melhores meias. Não se sabe qual é a caraterística principal dele: o cabeceio mortal; o chute certeiro ao ângulo; a agilidade e flexibilidade que o permitia driblar toda a zaga; os passes calculados em milímetros; a ousadia que o permitia fazer um chapéu dentro da área e chutar para o gol numa final de Copa do Mundo (numa final de Copa do Mundo!); a inteligência que o fazia tentar sempre a melhor jogada possível; a velocidade comparável a um atleta olímpico – 100 metros em 11 segundos! – e a força para peitar os zagueiros com toda sua altura e sua fisicalidade.

Mas Pelé foi mais que isso. Foi mais que a execução perfeita em qualquer área – se ele tentava, ele acertava mais cedo ou mais tarde. Se ele fosse goleiro, seria um paredão – como foi nas 3 vezes que jogou como goleiro, sem levar um único gol; se fosse zagueiro, pararia qualquer craque; se fosse lateral, seus cruzamentos seriam tão milimétricos quanto os passes que deu como 10; se fosse volante, não deixaria nenhuma bola chegar à área pelo meio; se fosse 9, seria mais letal do que já foi.

Mas Pelé foi mais do que a execução perfeita. Pelé, junto a Garrincha, criou a escola brasileira de futebol: o drible humilhante, o passe elegante, o chute no ângulo, o gol de placa, a ousadia na área, a alegria ao jogar. Zico, Sócrates, Ronaldo, Romário, Ronaldinho, Neymar – todos eles bebem da mesma fonte do jogo bonito. Pelé foi mais do que criar um país do futebol do zero para que este se torne o único pentacampeão, o único país que sempre foi representado por pelo menos um jogador em todo elenco campeão europeu nos últimos 20 anos.

Mas Pelé foi mais do que a tradição brasileira. Antes mesmo de jogar uma Copa do Mundo, aos 17 anos (!) já era chamado de rei. Sua presença gerava feriados e parava a multidão nos centros das cidades. Todo time – europeu, americano, africano, asiático – queria jogar contra o Santos do Rei (mesmo que o resultado fosse medido em dezenas de gols). Todo atleta que teve o desafio de jogar contra Sua Majestade não pode deixá-lo de colocar no topo do pódio. Quem o viu nunca mais viu nada igual – talvez parecido, mas nada igual. Quando foi à uma Nigéria em guerra civil, não houve guerra civil até que ele jogasse uma partida e deixasse o país.

Mas Pelé foi mais que a fama.

Pelé mostrou que um jogador negro podia ser muito mais que força e velocidade – como acreditavam, e ainda acreditam os europeus, mas também técnica e inteligência; logo, que um negro era mais do que seu físico. Mostrou que esses mesmos europeus podiam se render no campo e fora dele ao terceiro mundo; logo, que nós não devemos nada a eles. Mostrou que um negro podia usar a mesma coroa que os reis brancos usam, e ser mais reverenciado que eles; logo, que um negro podia não só ser igual, mas superior a um branco na sua área de atuação.

Pelé foi um símbolo. Pelé foi o brasileiro, o sul americano, o menino do terceiro mundo que dominou o primeiro mundo; o primeiro negro a deixar o anonimato dos suburbios e guetos, das colônias e dos países recém independentes para se tornar o primeiro ídolo negro mundial.

Pelé foi inspiração. Mostrou que um negro, um sul americano poderia estampar a capa de todos os jornais de todo o mundo. Que os negros não precisam competir apenas para jogar de igual pra igual, dignamente com os brancos. Não, um negro pode superá-los. Ganhar de goleada, não só empatar. Podia ser mais que respeitado, mais que admirado, podia ser venerado. Podia ser hors concour: tão superior que não se compara com outros.

Pelé foi mais que futebol. Muito mais.

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André Maynart Cunha Alves, tem 18 anos e é apaixonado por futebol

A ilusão argentina

 

André Maynart Cunha Alves

 

Terça, 22 de novembro de 2022. Minha aula iria começar mais tarde, às 9:30h, por causa do jogo da Argentina. Conheço poucos que não estavam apostando em um passeio total da seleção invicta há 35 jogos, atual campeã da Finalíssima e da Copa América. Eu mesmo apostei num 4×0 para a Albiceleste.

 

Quando eu acordei, a Arábia Saudita havia acabado de virar. 2×1.

 

No caminho à escola, já com a zebra histórica decretada, silêncio total. O porteiro do colégio estava parado ao lado da entrada principal, olhando para o nada e para o céu.

 

Dá para saber que a Argentina perdeu só pelo volume das vozes dos seus nacionais – eles falam baixo, quase timidamente, resmungando quando perguntados sobre a derrota.

 

– Se a gente não conseguir ganhar, quero que pelo menos uma seleção sul-americana ganhe. Até vocês e seu jogo bonito (eles pronunciam como zoogo bunitú).

 

Minha sala era uma das mais barulhentas e caóticas da escola. Naquela manhã, recebemos elogios pelo bom comportamento. Fui recebido com vários “cerrá el orto” – um jeito particularmente grosseiro de dizer “cale a boca” – toda vez que eu mencionava futebol. Ou que abria a boca, no geral.

 

26 de novembro de 2022. Era um sábado, mas um daqueles sábados com sabor a dia de semana. Se falou de um compromisso, mais importante que qualquer descanso de fim de semana, de terça a sexta. A possibilidade de a seleção morrer na fase de grupos perdendo contra México (!) e Arábia Saudita (!!!) já era tratada como uma tragédia.

 

Meu medo era de o país cair na anarquia se a Argentina perdesse. Ou que ocorressem suicídios em massa, a là Jonestown. Eles são capazes.

 

Estava vendo o jogo, meio descompromissado – porque estavam quebrando a bola. Era uma daquelas partidas que os dois times têm tanto a perder que ninguém acerta nada.

 

Até Messi achar uma bola muito pouco pretensiosa e acertar um chute de longe.

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