Aniversário do Almirante Nélson

Walmir Rosário

 

Há cerca de um mês (não me lembro bem) me encontrava em casa astuciando uma forma de reunir os velhinhos da Confraria d’O Berimbau e do Clube dos Rolas Cansadas para um vesperal no bar e restaurante Mac Vita, em Canavieiras, quando recebo uma mensagem de Trajano Filho, pelo WhatsApp: “Se preparem, neste sábado, Nélson Barbosa faz questão de comemorar seus 76 anos com uma deliciosa rabada, no Mac Vita”.

De imediato, pensei: Todos os meus problemas acabaram. Mas foi aí que minha cabeça rodou e pensamentos dos mais diversos atordoaram minha mente. Pelos meus cálculos, já participei de pelo menos umas quatro comemorações dos 76 anos de Nélson, ou estaria enganado? Pelo sim, pelo não, achei uma questão irrelevante, por terem as festas dignas do aniversariante, mesmo que repetidas.

Para quem não sabe, o conhecido e nomeado Almirante Nélson, pessoa pacata que voltou a Canavieiras para gozar da sua merecida aposentadoria no Derba, não tem ideia das artes e manhas deste sossegado senhor. Basta uma volta ao tempo, e na história de Arembepe, para conhecermos do que é capaz nosso ínclito personagem. No final da década de 1960 e início dos anos 1970, Nélson Barbosa, ou Nélson Amarelão, como era conhecido, ouviu falar do “paraíso dos hippies” e resolveu mudar-se de mala e cuia para o pedaço, mesmo sem ter qualquer ligação com a dita filosofia.

Pra início de conversa, comprou um terreno em Arembepe, sem se preocupar com a localização, descoberta feita cerca de um mês depois, quando resolveu levar a esposa e as duas filhas para a exploração do local. Com a ajuda de alguns moradores, descobriu a pretensa área e empreitou a construção da casa. O resto era bem mais simples, como descobrir a “passarela do álcool”, ou melhor a Rua da Flores.

Por ali Nélson sentou praça, conheceu os hippies da aldeia, os malucos locais e de Salvador que se homiziavam nos fins de semana ou férias. Foi um casamento perfeito e ele se tornou um deles, ou o deles. Personagem melhor não representaria Arembepe, tanto assim que se tornou, via eleição direta, honestíssima, Rainha da Rua da Flores, empunhando o cetro real por três carnavais consecutivos. Estava no tempo e local certos.

A década de 1960 foi marcada por uma série de tentativas de mudança no mundo, e de lá pra cá nunca mais foi o mesmo. E a vontade de mudar o mundo aconteceu na política, economia, na música e na cultura. A chamada contracultura foi a que chamou mais a atenção pela pregação do slogan paz e amor. A guerra dos Estados Unidos contra o Vietnã sofreu os maiores protestos, com músicas e passeatas pelos próprios norte-americanos.

Em 1969 foi realizado numa fazenda de pecuária no estado de Nova York o Woodstock Music & Art Fair, festival que bombou com a presença de mais 400 mil participantes e o que tinha de mais marcante no rock’n’roll pesado, mais ligado ao movimento hippie. O evento que foi criado por alguns jovens para ganhar um bom dinheiro ultrapassou todos os limites comerciais e de comportamento.

De lá pra cá, o mundo já não era mais o mesmo. Os adeptos da contracultura deixaram Woodstock e se espalharam por todos os recantos do planeta terra. As estradas ganharam hordas de mochileiros em busca do sonho de paz e amor. Cabelos e barbas grandes, roupas coloridas, instrumentos musicais e muita disposição para andar. A pé, de carona, dormindo ao relento, corriam estradas pregando a paz e o amor, a liberdade.

Algumas cidades brasileiras foram eleitas com a “Meca” do movimento hippie. Salvador, na Bahia e Paraty, no estado do Rio de Janeiro foram duas delas e que vivi de perto nessa ocasião. A maioria proveniente das cidades de São Paulo e Guanabara (com o grande Rio de Janeiro). Muitos deles, pessoas de origem abastada que resolveram mudar o mundo, inconformadas com qualquer questão, inclusive a família que continuava a mantê-los.

A aprazível e bucólica Arembepe abrigou os hippies por anos afio. Com o passar dos anos, muitos deles resolveram mudar de filosofia e de vida, trocando as vastas barbas e cabeleiras pelos melhores barbeiros, as multicoloridas roupas por ternos bem cortados, os simplórios chinelos por sapatos sociais lustrosos. Agora ocupavam cargos executivos em empresas multinacionais, preferencialmente ligadas ao polo petroquímico de Camaçari.

Uma mudança e tanto que deu certo. O jornalismo, a publicidade e o mercado baiano ganharam sangue novo e, por consequência, o Brasil e o mundo. Embora alguns ainda teimassem em persistir ouvindo Janis Joplin, Jimi Hendirx, outros passaram a seguir Raul Seixas e outros mais comportados. Já o Nélson Barbosa, ou Amarelão, continuou sua vida sonhando com sua aposentadoria e o retorno à querida Canavieiras.

Volta e meia encontramos um verdadeiro hippie por aí, professando sua filosofia. E não poderia deixar de finalizar com uma cena presenciada pelo saudoso jornalista Marcos Correia. Enquanto aguardava, pacientemente no ponto de ônibus da avenida Proclamação, no Savoia, em Ilhéus, o transporte para ir ao trabalho, foi testemunha ocular da autoanálise de um dos muitos malucos belezas que habitam este planeta.

Andando de um lado pro outro do passeio, nosso estranho personagem filosofava:

– Tem gente que acha que é fácil ser maluco! Tá pensando o quê? Venha ser pra ver? – filosofava para o deleite de passantes e outros observadores.

Realmente, essa é uma cena rara de se presenciar nos dias de hoje, o que demonstra que cada um escolhe o caminho a seguir.

Já o almirante Nélson, do seu ponto de vista filosófico, resolveu preservar sua jovialidade.

 

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado