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Rádio Difusora Oeste, Osasco (SP), 1985. Para quem trabalha em rádio pequena, cobrir uma partida da Seleção Brasileira é a glória. Assim, até um jogo mulambento entre Brasil e Bolívia no Estádio do Morumbi, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1986, no México, ganhava ares de decisão.

O Brasil, dirigido pelo saudoso Telê Santana, já estava classificado e o time era recheado de jogadores do São Paulo, como Oscar, Silas, Careca, Muller, Sidney e um Falcão já em fase outonal. Enfim, a velha e boa média com a sempre exigente torcida paulista.

Para nós da aguerrida Difusora Oeste, era a chance rara de um dia poder contar (como estou contando aqui) que cobrimos um jogo da Seleção Brasileira. Grande m…, dirão alguns, diante da maneira como o nosso time nacional foi banalizado e transformado em mercadoria pelas  cbfs da vida. Mas, naquele tempo a Seleção ainda era uma instituição quase sagrada.

A equipe da rádio para o jogo em questão tinha Alceu de Castro na narração, Carlos Roberto nos comentários e eu como repórter de campo.

evoAlceu  era um sujeito simplório, vindo do interior, de São Paulo que adorava imitar o Fiori Giglioti (o grande narrador do ´abrem-se as cortinas, começa o espetáculo…`). Quando cismava com uma palavra bonita usava toda hora, mesmo que ela não fizesse o menor sentido na transmissão. A gente se aguentava pra não rir, porque  com aquele seu jeitão caipira, Alceu tinha dotes de boxeador e levar as coisas no bom humor não era seu forte.

O fato é que ao receber a escalação da Bolívia, com aqueles nomes todos em espanhol, parecia que Alceu havia se deparado com a escalação de um time grego, chinês ou polonês, com seus nomes impronunciáveis.

Vendo a dificuldade do narrador, Carlos Roberto passou dica:

-Ô Alceu, pega uns cinco ou seis nomes mais fáceis e toca a transmissão numa boa.

E eu completei:

-Esquece os nomes com “j” ou dois “l”, porque a pronuncia é diferente.

Alceu acatou as sugestões, mas talvez empolgado por estar narrando um jogo da Seleção Brasileira, em vez de cinco ou seis, ele só guardou o nome de dois jogadores da Bolívia: Garcia e Vaca.

E era um tal de “Garcia toca para Vaca”, “Vaca lança para Garcia”, “Vaca faz falta feia em Careca”, recheados pelo “bola com o número 8”, “olha o número 5 avançando pela ponta”. E a gente sem querer ou poder “escalar” mais alguns jogadores da Bolívia, com medo de que Alceu chutasse o pau da bandeira e a transmissão desandasse de vez.

O fato é que, jogando “só” com Garcia e Vaca, a Bolívia encarou o Brasil de igual para igual e arrancou um heróico empate em 2×2. Naquele tempo, empatar com o Brasil merecia o apodo “heróico”.

Hoje, até o Equador ganha da gente da gente sem que se decrete feriado nacional por lá.

Encerrada a transmissão, fomos todos tomar nosso fogo paulista (uma mistura de cachaça com groselha, verdadeira bomba, mas era o que o orçamento minguado permitia) em paz.

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Tempos de fogo paulista, pão com mortadela, calça velha azul e desbotada (porque só tinha uma).

Não parecia, mas éramos felizes e só viríamos saber bem depois.