Efson Lima 

efson limaNão vim do gueto, faço de imediato a advertência. Mas vim do planeta fome, do pau de arara e cheguei a Salvador com uma caixa de papelão. Essa minha história muitos já sabem, mas quero contar mesmo é a história de Tais Alves. A mulher que possui a força de Iansã , a beleza da vida e a energia criadora da superação. Não é todo dia que uma jovem da comunidade realiza sonhos; não é comum também que a sociedade abra alas para que jovens de bairros periféricos alcancem lugares estratégicos. Fomos forjados na força da disputa e da concorrência, mas também da solidariedade entre os pares.

 

 

 
A sociedade brasileira não está organizada em castas, mas sua estruturação pauta as gerações atuais e as seguintes. Sei que muitos jovens quebram as camisas de força e concretizam sonhos, pavimentam caminhos e abrem alas para outros passarem. Tais Alves é a força da superação.

 

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No dia 17/10, Tais Alves colou grau em direito pela Faculdade 2 de Julho. Ela é formada em Administração pela UCSal. Mora em uma rua sem saída no Garcia… A sua afirmação enquanto mulher negra, mãe e quem conhece de perto os desafios da vida não tomba nos embates da vida, mas articula os desafios para ser empoderamento permanente; ela não deseja ser exceção, deseja mesmo é que tantos outros possam concretizar sonhos. Negros, negras, pobres e tantos outros grupos precisam ingressar nas instituições universitárias e ter condições de se manterem. É uma questão de justiça. Nós professores precisamos estar conscientes de nosso papel de educador -transformador. Não podemos ser transmissores da desigualdade e verticalizadores das relações humanas.

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Na solenidade de formatura, a turma fez justiça ao distinguir o Professor Aquiles Mascarenhas como paraninfo. Para além da honraria, ele cercou seu discurso de cuidados, chamou a atenção de todos para a democracia, o amor, a tolerância e os desafios da caminhada e a força da coletividade. Certa altura, o professor foi evidenciando a qualidade dos formandos daquela noite, todos e todas possuem méritos, mas ressalto aqui a menção a bacharela em direito Tais Alves, feita pelo docente: “Tais, você não tem empoderamento, você é o poder! Você não é expressão de representatividade, você é a figura da representante! Você não é bela, você é a beleza! Sua linha não faz curva, é reta que vai até o infinito, de tão direta que és. Você não é de tretagem, você é a treta, a própria treta! Você não é diferenciada, você é a diferença! Diferente de tudo que já vi na vida! Você é de verdade! Você não tem força, você é a força!” Estava dito. As palavras ganhavam sentido, eram entrelaçadas em forma de poema e com a força da poiesis se tornar poesia.

 


Foi uma das mais lindas solenidades. Não pelo aspecto business em que as empresas de formatura têm dado a esses eventos, mas pela força das pessoas, dos oradores, das justas homenagens feitas e das vitórias familiares e pela condução da Comissão de formatura. Teve até crush… rsrsrs. Que turma! Foi uma turma exemplar. Participativa e questionadora. Como tem que ser o ambiente universitário. Os embates, no bom sentido do termo, são norteadores de uma sociedade esclarecida com vistas a concretizar também uma sociedade justa, solidária e democrática.
As emoções não pararam. A festa foi na comunidade. Como tinha que ser. Colegas de faculdade, professores, familiares e amigos se aglomeraram, os protocolos foram quebrados. Não foi possível se distanciar, a lógica do espaço evidencia que nem todas as famílias brasileiras puderam fazer o distanciamento social nesta pandemia.

 

 

 

 

A comunidade não podia deixar de comemorar a vitória de uma das suas filhas. Os latões eram retirados da caixa do isopor, a feijoada mais famosa da baixada era servida. Tais Alves vibrava com a feijoada. Convidava-me para comer o feijão. Não comi a feijoada, é verdade. O cheiro entrava nas minhas narinas deliciosamente. Tomei todas. Dancei bastante. Só retirava a máscara para dar um gole na cerveja. Ria com meus colegas professores e colegas bacharéis em direito, agora, nossos ex-estudantes, era muita emoção. Não fiz quentinha, mantive o protocolo. Mas vi algumas quentinhas serem levadas nas sacolas. Voltarei para comer a feijoada. A festa na comunidade foi ontem e espero que seja sempre! Precisamos parar de enterrar os jovens negros e comemorar as vitórias. A diversidade não pode ser retórica de uma sociedade, menos ainda delimitadora de sucesso dos bens nascidos.

Efson Lima
Doutor em direito/UFBA. Professor universitário. Escritor nas horas não – vagas do dia.