WebtivaHOSTING // webtiva.com . Webdesign da Bahia
hanna thame fisioterapia animal

prefeitura itabuna sesab bahia shopping jequitiba livros do thame




Daniel Thame, jornalista no Sul da Bahia, com experiência em radio, tevê, jornal, assessoria de imprensa e marketing político danielthame@gmail.com

agosto 2020
D S T Q Q S S
 1
2345678
9101112131415
16171819202122
23242526272829
3031  


Liberdade de Expressão x Discurso de Ódio

Débora Spganol

 

Debora Spagnol“É livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato”; “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

A nossa Constituição Federal, nos incisos IV e IX, do artigo 5º, garante a todo o cidadão a liberdade de expressão e de manifestação do pensamento, que possuem entre si uma relação intrínseca: somente podemos externar nossos pensamentos, projetá-los no mundo, porque a carta magna assim garante. Assim: nossa mente é livre, mas a expressão que fizemos de nossos pensamentos só é possível porque a lei permite. (1)

O direito à liberdade de expressão é considerado como sendo de primeira dimensão. Foi  essencial à redemocratização do país após os anos obscuros do regime militar instaurado pelo golpe de Estado de 31 de março de 1964, que perdurou até a abertura política em 1985.

Durante o período militarizado, foram postos em prática vários Atos Institucionais suprimindo direitos. O mais grave foi o AI-5, de 1968, que suspendeu a Constituição então em vigor (de 1946), determinou a dissolução do Congresso Brasileiro, revogou liberdades individuais e criou  um Código de Processo Penal Militar, que permitiu aos militares (Exército e Polícia) a prisão de todas as pessoas consideradas “suspeitas”, além de qualquer revisão judicial.

Nessa época triste de nossa história qualquer possibilidade de expressar pensamentos era cerceada de maneira violenta: durante os chamados “anos de chumbo” a censura voltou arrasadora, desta vez reforçada por prisões, torturas e até mortes. O periódico “Tribuna de Imprensa” – um dos poucos meios de comunicação que se colocaram contra o poder – foi pressionado a encerrar as portas. Seu principal jornalista (Hélio Fernandes) foi preso juntamente com Joel Silveira, Osvaldo Peralva e Francisco Pinto, ligados ao “Correio da Manhã”.

Com o AI-5, vetaram-se todas as manifestações e formas de expressar ideias: imprensa, música, teatro e cinema eram punidas com a repressão, tortura, prisões e mortes de quem ousasse “burlar” o veto. Os meios de comunicação eram utilizados somente para divulgação dos atos terroristas e divisões das Forças Armadas e do governo. Mais tarde, a censura passou a ser também usada para ocultar casos de corrupção, tortura, violência policial e epidemias: somente a versão oficial dos fatos era publicada.

Tanta restrição às liberdades de informação e expressão provocou o surgimento da imprensa alternativa ou nanica (pequena imprensa), que passou a ser considerada como um meio viável para protestos e resistência, já que vinculava assuntos não abordados pela imprensa empresarial, contestava o discurso oficial e valorizava recursos visuais como fotos e charges. O tabloide “Pasquim”, com linguagem divertida e irreverente, foi o primeiro e mais famoso do gênero.

Somente em 1978, com a abertura política do presidente Geisel e com o fim da censura dos meios de comunicação, a imprensa tradicional passou a dar espaço a notícias e fatos que antes eram divulgados apenas pelos meios alternativos. (2)

Assim, com a Nova República surgiu, além de um novo horizonte político para a democracia, o final (formal) da censura governamental.

Já a nova Constituição (que se tornou “balzaquiana” nesse mês), trouxe a liberdade de expressão como direito fundamental, incluída no rol dos direitos de personalidade – conjunto de bens jurídicos originados de projeções físicas ou psíquicas da pessoa humana, que resulta em sua individualização. É direito indisponível e inato, garantido a toda pessoa (física ou jurídica). É também cláusula pétrea da carta magna e, conforme art. 60, §4º, IV, não pode ser abolida nem por emenda à Constituição. (3)

A liberdade de expressão, porém, não é um direito absoluto, sendo limitada pelo direito constitucionalmente consagrado do outro e cuja violação pode resultar em punição do agente. Assim, mesmo que atualmente a censura esteja proibida, aqueles que se utilizarem da liberdade de expressão para praticar abusos devem ser responsabilizados pelos danos que causarem a outrem. E isso se dá tanto na conduta individual que origina uma publicação em rede social, por exemplo, como na expressão intelectual e artística de publicar um livro que prega preconceito contra uma minoria.

O atual quadro político brasileiro, dominado por eleitores com ânimos acirrados, tornou clara uma forma de abuso do direito de liberdade de expressão: o discurso de ódio. Em suma, o que se denomina “discurso de ódio” é a utilização da garantia constitucional de livremente expressar-se para inferiorizar e discriminar o outro com base em suas características: etnia, sexo, orientação sexual, religião …

Há discurso de ódio quando através de palavras e atos o interlocutor visa objetificar uma pessoa ou grupo de pessoas, sendo que a vitimização é difusa. Quando um homossexual é ofendido simplesmente por sua orientação sexual, por exemplo, todos os homossexuais são indiretamente ofendidos.  Percebem-se então duas características necessárias para o discurso de ódio acontecer: discriminação e exteriorização do pensamento. Que muitas vezes resulta na incitação à violência contras as minorias.

Foi justamente o perigo representado pelo discurso de ódio às minorias que fez com que vários países criassem, após o fim da Segunda Guerra Mundial (com a derrota da Alemanha nazista e de seu projeto de dominação baseado no extermínio de grupos indesejáveis), leis que pudessem impedir a disseminação dessas falsas premissas.

No Brasil a legislação não contém dispositivos que preveem expressamente a supressão do discurso de ódio. Talvez porque o país não viveu (ainda e felizmente) experiência semelhante àquela vivenciada em outras regiões do globo, onde um grupo resolve se voltar contra o outro visando exterminá-lo. (4)

Por outro lado, nossa Carta Magna garante a igualdade dos indivíduos perante a lei e a proteção legal contra a discriminação. Importante para esta matéria são os artigos 3º, inciso IV; artigo 5º, “caput”, e incisos XLI e XLII, que preveem punição ao crime de racismo, qualificando-o como inafiançável e imprescritível, sujeitando o agente à pena de reclusão. (5)

Com a publicação da Lei nº 7.716/89, criada para garantir a eficácia do dispositivo constitucional relativo ao racismo, houve ampliação da abrangência do conceito, passando-se então a agasalhar preconceitos de raça e cor, etnia, procedência nacional e religião. Por consequência, aquele que praticar condutas carregadas de discriminação, induzindo, incitando a prática de preconceito de pessoas em razão de sua raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional poderá ser processado e punido com reclusão de um a três anos, mais multa. (art. 20, da Lei nº 7.716/89). (6)

Se os crimes forem cometidos por intermédio dos meios de comunicação social ou publicações de qualquer natureza – o que abrange o seu alcance e, portanto, sua gravidade – a pena aumenta para reclusão de dois a cinco anos, mais multa (art. 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89).

Tais leis, porém, não conseguem conter a virulência dos discursos de ódio, que afloraram na atual campanha presidencial nacional e se expandem também em outros países, com o renascimento de um forte onda de conservadorismo.

Se por um lado o objetivo central da liberdade de expressão é justamente fugir de qualquer censura de ideias, em caminho totalmente oposto é a crítica ao discurso de ódio. E isso porque das palavras inflamadas contra o “inimigo comum” eleito pode-se facilmente passar às práticas de exterminação das minorias odiadas. Não se desconhece a existência de extermínios de grupos inteiros por regimes ditatoriais ao longo da história. Como dito acima, durante a ditadura militar a imprensa tinha seu editorial controlado pelo governo, que filtrava o que poderia ou não ir a público. Já o governo nazista, durante a segunda guerra mundial, teve Goebbels como ministro responsável pela comunicação do governo, com a incrível habilidade de transformar os horrores do Terceiro Reich em práticas vistas por boa parte do povo alemão como algo bom e necessário. (7)

Como então evitar o discurso de ódio ?  A base desse discurso é o preconceito, que existe em todas as sociedades e atinge milhares de pessoas diariamente e das mais variadas formas: verbal, emocional ou física. Combater o preconceito deve ser um objetivo de qualquer sociedade com propósitos humanitários e de inclusão social, sendo que todo o cidadão é e deve ser tratado como um indivíduo humano, não inferiorizado por qualquer que seja o atributo.  Qualquer tentativa de grupos específicos de utilizar a força da lei como coerção só vai motivar uma batalha para decidir quem terá o poder de censurar o outro.

Se a democracia estiver funcionando como deve, a pluralidade de pensamento será uma regra fundamental e ninguém irá tentar se apropriar do aparato estatal para censurar a opinião alheia. A própria sociedade buscará, através da cultura, um equilíbrio que reverterá o preconceito.

Em contrapartida, se a democracia estiver frágil, vence uma espécie de ditadura da maioria, onde uma grande quantidade de pessoas elege seu representante que passa a perseguir grupos “inimigos” e utilizando-se da para permitir o controle ideológico de grupos majoritários para coibir politicamente seus opositores.  (8)

Conviver com o diferente e aceitá-lo na integralidade, com toda a beleza de sua singularidade  não é nem questão de democracia, mas de humanidade.

 

FONTES:

1 – SILVA, Hugo Gregório HG Mussi. A origem e a evolução dos direitos da personalidade e a sua tutela no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em:  <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/5571-14924-1-pb.pdf>. Acesso em out.2018

2 – DOMINGUES, Viviane. Liberdade de expressão desde a ditadura até os dias de hoje. Disponível em: <https://vividomingues123.jusbrasil.com.br/artigos/190259558/liberdade-de-expressao-desde-a-ditadura-ate-os-dias-de-hoje>.  Acesso em out.2018.

3 – Constituição Federal/88: “Art. 60 – A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (…) § 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (…) IV – os direitos e garantias individuais.” Disponível em: <https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_18.02.2016/art_60_.asp>. Acesso em out.2018.

4 – No nosso país, viveram-se séculos de escravidão de povos vindos da África e se observa a  discriminação velada destes mesmos que ainda hoje ocorre, sendo frequentes as situações de racismo e injúria racial.

5 – Constituição Federal/1988: “Art. 3º – Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…) IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (…) Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;  XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.

6 – Íntegra da Lei nº 7.716/89 disponível no link: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/LEIS/L7716.htm>. Acesso em out.2018

7 – Wikipédia. Disponível no link: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Joseph_Goebbels>. Acesso em out.2018

8 – Guia São Roque. Sérgio Filho: Liberdade de expressão e discurso de ódio. Disponível em: <https://www.guiasaoroque.com.br/colunistas/liberdade-de-expressao-e-discurso-de-odio-1154>. Acesso em out.2018

3 respostas para “Liberdade de Expressão x Discurso de Ódio”

Deixe seu comentário





WebtivaHOSTING // webtiva.com.br . Webdesign da Bahia