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Um dos produtos mais tradicionais da agricultura nacional, a produção da farinha de mandioca é tema de um artigo publicado no número 3 do volume 31 da revista Agrotrópica no final de 2019, sobre os resultados de pesquisa de campo junto às casas de farinha no município de Alcobaça, Bahia. A investigação forneceu dados úteis para as propostas do programa Farinheira Sustentável, iniciativa interinstitucional que oferece oficinas de capacitação e orientações para o aprimoramento da estrutura desses empreendimentos.

A autoria do artigo Caracterização do sistema de produção em casas de farinha no município de Alcobaça, Extremo Sul da Bahia é de Luísa Martha Kuhn, Lívia Santos Lima Lemos, Breno Meirelles Costa Brito Passos, Luanna Chácara Pires, da Universidade Federal do Sul da Bahia-UFSB, Jeilly Viviane R. da Silva B. de Carvalho e Luciana Longo Ribeiro (Polímata Soluções Agrícolas e Ambientais). A pesquisa descrita no artigo foi realizada em parceria com a empresa Suzano S/A, que mantém um Programa de Desenvolvimento Rural Territorial (PDRT) voltado para a produção e o beneficiamento da mandioca, e assistência técnica da Polímata Soluções Agrícolas e Ambientais.

No trabalho realizado em campo, a equipe aplicou um questionário semiestruturado para saber mais sobre as farinheiras e as pessoas que nelas trabalham. As perguntas foram organizadas em sete seções: informações gerais, plantio e produção, destinação de resíduos, infraestrutura, segurança, comercialização e condições sanitárias e atendimento às normas vigentes. O estudo foi realizado entre agosto de 2017 e agosto de 2018 junto a 67 casas de farinha.

pesquisa de campo fs

Dentre os resultados encontrados, os autores perceberam que 63% das farinheiras integrantes do estudo atuavam em condições rústicas e tradicionais, com pouca inclusão de novas tecnologias, falta de boas práticas de produção, riscos para a segurança laboral e para o ambiente. Em geral, os trabalhadores apresentaram pouca instrução formal, o que impede, dentre outras coisas, o melhor aproveitamento da manipueira, resíduo líquido poluente do processo de fabricação da farinha, e favorece o descarte inadequado na natureza: 72% dos empreendimentos não armazenavam corretamente esse resíduo. 63% também é a porcentagem de mão-de-obra familiar envolvida no funcionamento das casas, em contraponto aos trabalhadores contratados (6%). 57% das casas de farinha apresentam solo de chão batido, com alguns sinais de esforço dos empreendedores para melhorar a infraestrutura, dentro de suas possibilidades: 43% dos locais possuem chão de cimento e todas contam com telhado de amianto.

Os dados indicaram aos pesquisadores a necessidade de investimento e orientação para a qualificação técnica da produção, a melhoria da renda e do padrão de fabricação, bem como da redução do descarte inadequado da água de manipueira – que pode ser 25 vezes mais poluente que o esgoto doméstico – e o uso desse subproduto para fertilizar o solo.

A professora Lívia Lemos, coordenadora de pesquisa do Plano de Ação da Mandiocultura no Extremo Sul da Bahia e uma das criadoras do programa Farinheira Sustentável (FS), explica mais sobre o cenário da atividade produtiva, a atuação das pesquisas no programa FS para aprimorá-lo e as pesquisas que a UFSB está conduzindo.

 

Em relação ao panorama descrito no artigo, em quais aspectos o programa Farinheira Sustentável já conseguiu atuar?

Lívia Lemos:O artigo em questão foi o primeiro artigo publicado sobre a mandiocultura no Extremo Sul da Bahia. A partir desses dados gerados e da caracterização das casas de farinha na região de Alcobaça, aliado a necessidade de destinação correta da água de manipueira, surgiu o Programa Farinheira Sustentável. Este conceito teve como proponente além de mim, a Jeilly Vivianne Ribeiro da S B de Carvalho, da Polímata Soluções Agrícolas e Ambientais, e importantes colaborações de Paulo Sérgio Onofre da Vigilância Sanitária de Alcobaça, Ildeu Linhares Júnior da Controller, Paulo Henrique Radaik, entre outros.

Como os diferentes projetos contidos no Farinheira Sustentável vão atuar no aprimoramento das casas de farinha?

Lívia Lemos: Os objetivos dos diferentes projetos convergem para mostrar as inúmeras possibilidades de utilização da mandioca, seus subprodutos e resíduos. O conceito da Farinheira Sustentável trabalha com três pilares: ambientaleconômico e social. O pilar ambiental busca transformar a manipueira, que possui alto poder de contaminação, em um aliado da produção agropecuária utilizando seus multiaproveitamentos. No pilar econômico, visa aproveitar a mandioca de forma integral (raiz e parte aérea). No pilar social, objetiva ajudar os agricultores familiares a agregarem mais renda a sua produção com base em novos produtos e subprodutos atualmente desprezados.

A intenção é colaborar com os agricultores na adequação sanitária de suas farinheiras e possibilidade de atuação nesses 3 pilares. Assim, algumas farinheiras já foram adequadas e receberam certificação. Alguns sub-projetos já foram desenvolvidos com a coordenação da UFSB e colaboração de demais parceiros (Suzano através do programa PDRT com a empresa Polímata Soluções Ambientais, Programa PRODETER-BNB com o PAT da Mandiocultura, Vigilância Sanitária da prefeitura de Alcobaça, dentre outros), além da participação dos alunos através de editais de pesquisa, bolsas de Apoio à Permanência  e trabalhos de conclusão de curso, como:

Farinheiras do Extremo Sul da Bahia: tradição, cultura e perspectiva da produção familiar de farinha mandioca e seus subprodutos. 2017.
Coordenação: Lívia Lemos
Orientados: Luísa Martha Kuhn e Danilo Ferreira Almeida Farias.

Identificação de marcadores moleculares e genes candidatos para a cultura da Mandioca (Manihot esculenta Crantz) no Extremo Sul da Bahia. 2017.
Coordenação: Lívia Lemos
Orientado: Tamy Alves de Matos Rodrigues.

Sistema de Produção em Casas de Farinha: leitura descritiva nas Comunidades do Extremo Sul da Bahia. 2017.
Coordenação: Lívia Lemos
Orientado: Luisa Martha Kuhn.

Efeito da manipueira na adubação foliar da mandioca.
Coordenação: Luanna Chácara Pires

Avaliação Ecotoxicológica da Água de Manipueira de variedades de mandioca do Extremo Sul da Bahia e sua utilização para fabricação de sabão. 2019
Coordenação: Lívia Lemos
Orientado:  Breno Meirelles.

Análise in vitro da eficácia carrapaticida da água de manipueria sobre Boophilus microplus no Extremo Sul da Bahia. 2019 (Trabalho de conclusão do curso de Bacharelado Interdisciplinar em Ciências- CPF)
Orientação: Lívia Lemos
Orientado: Breno Meirelles.

Atividade inseticida da manipueira associada ao óleo essencial de Piper macedoi
Coordenação: Gisele Lopes de Oliveira
Orientado: Yago Fonseca

Quais os planos da equipe envolvida no programa Farinheira Sustentável para realização neste 2020?

Lívia Lemos: Esse ano a UFSB continuará envolvida nas pesquisas que envolvem o aprimoramento da cultura da mandioca no extremo sul da Bahia, que é o principal papel da UFSB no programa farinheira sustentável e no PAT da mandiocultura como coordenação das pesquisas.

Os estudos hoje estão focados na caracterização morfológica de variedades de mandioca que estão sendo implementadas no Extremo Sul da Bahia, bem como na avaliação dos teores de cianeto da água de manipueira dessas variedades. Essas pesquisas estão sendo coordenadas por mim e pela prof. Taina Soraia Muller como ação do grupo de pesquisa GEMCT – Grupo de Estudos Multidisciplinares em Ciências e suas Tecnologias (http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/1325019937612135) através do projeto INMANITEC- Inovação e inclusão de novas variedades de Mandioca (Manihot esculenta Crantz) e transferência de tecnologia no uso da água de Manipueira no Extremo Sul da Bahia, em parceria com a empresa Polimata Soluções Ambientais.

Como as pesquisas com a mandiocultura no Extremo Sul da Bahia eram até então incipientes, todas as investigações realizadas até agora são de base, para subsidiar diversos estudos no futuro. Assim que possível, está previsto também a organização de um seminário de pesquisa da mandiocultura, sob coordenação da UFSB, Campus Paulo Freire.