Efson Lima

 

efson limaDia 23 de abril se comemora o Dia Mundial do Livro e também dos Direitos do Autor.  Poderia ser mais uma data, mas lembrar o dia do livro se tornou uma data obrigatória para quem cultiva a liberdade. Para além da liberdade, também é uma data muito especial para a cadeia do livro, para o processo criativo, para a economia, para a cultura… A importância é enorme, desde quando Gutemberg inventou a imprensa, certamente, o fato possibilitou uma proliferação de informação sem precedente, então, os interessados podiam consultar as fontes.  Por óbvio, a oralidade continuou, mas os registros foram sendo feitos e difundidos na sociedade. O homem não seria o mesmo, encontrava outros ares. Os limites passaram a ser a  capacidade de imaginação.

É  natural que as rupturas com o passado nem sempre acontecem com um passe de mágica. É um fazer, é um construir permanente com idas e vindas. As transformações decorrem dos valores  que são cotejados pela sociedade. Nem sempre a transfiguração é momentânea.  O bom (nem sempre) é que essas modificações nos atingiram com o passar do tempo, alcançaram também as terras sul baianas com o colonizador.

Uma mudança pode levar a outra. Assim, alcançamos o século XX, que foi fértil para as tipografias, para o surgimento de livros. E nas terras do cacau, elas ajudaram a  consolidar a expressão “nação grapiúna”. Deram vozes aos escritores regionais, permitiu que Adonias Filho informasse ao mundo que além de cacau, aquela civilização  dava frutos em forma de escritores. Afinal, a terra era fértil de escritores ( continua), mesmo os não nascidos eram/são contaminados pela fecunda literária. Portanto, sempre que posso insisto na terminologia da região literária e/ou em Ilhéus como uma cidade literária.

jorge tocaiaEstou a ler,  neste período,  “ Terras do sem -fim “  e “Tocaia Grande”  para desenvolver melhor essa ideia das terras da literatura, afinal, temos a literatura do cacau.  Estas são apenas duas obras de Jorge Amado, que sem dúvida, foi o nosso escritor maior. Mas temos tantos outros que moraram ou passaram por essa região:  Milton Santos, o já evidenciado Adonias Filho, Sosígenes Costa, Hélio Pólvora, Telmo Padilha, Valdelice Pinheiro e Euclides Neto – este com diversos livros sobre o homem do campo.  Fazedores de livros. Temos também os atuais: Cyro de Matos e Aleilton Fonseca, ambos pertencente à Academia de Letras de Ilhéus e da Academia de Letras da Bahia. Escritores que ultrapassam as barreiras desta região, possuem a capacidade de transportar nossas ideias, nossas identidades por meio dos livros. Somos gratos!  Eleva-nos a categoria de civilizados.

Temos escritores mais novos, tais como Geraldo Lavigne, Luh Oliveira, Pawlo Cidade, este por sinal, abrilhantou-nos com uma live no Facebook sobre processos criativos ao narrar sobre seus processos,  estimulando mais de uma dezena de pessoas a se lançarem ou aperfeiçoarem a escrita. Não só basta escrever, desperta a solidariedade mesmo que a escrita tenha um traço de produção individual. Pawlo tem 17 livros publicados e alguns no forno. Em breve, vamos saboreá-los. Afinal, ler é um ato gastronômico contínuo. Vão também nesta senda e brilhando: Marcus Vinicius Rodrigues que estar sempre a nos abraçar com o mar;  Tom S. Figueiredo – um escritor premiado e com uma produção diversificada; e Fabrício Brandão com  a Revista  Diversos Afins e com as  suas levas, ficamos curiosos, periodicamente, por elas. Certamente são muitos outros escritores. É uma mina constante o sul da Bahia.

noraSe o início do  Século XX possibilitou as nossas caminhadas com a literatura impressa, foi também no final daquele século que surgiu a Editus, no berço da UESC. Por vezes, essa editora pode  passar despercebida até mesmo entre os sul baianos. Não sei exatamente quantos escritores e autores regionais já foram publicados por ela, mas sem dúvida alguma, foi importantíssima, pois, mesmo diante da crise do cacau, ela conseguiu manter viva a  chama da escrita. Foram textos científicos, ensaios… literários, textos sobre a história regional, foi esse ambiente que permitiu a ideia circular. Estimulou a escrita. Lembremos que o acesso massivo à internet  só veio acontecer de forma tardia no Brasil e no sul da Bahia não foi diferente [sou um daqueles que só consegui pilotar um computador já em Salvador (2007), mesmo assim, coletivo, na Residência Universitária].

Portanto, reconhecer o trabalho da EDITUS é primordial. Sabemos também que as instituições podem surgir, mas pessoas precisam liderar, ser jeitosas, responsáveis e acreditar naquilo que estar a gerenciar sem deixar de olhar a bússola que, por vezes, parece não nos levar a lugar algum. Então, tem-se uma figura feminina, a senhora Maria Luiza Nora, conhecida como Baísa. Não a conheço e o que sei dela são pelos livros e por sua produção. Mas posso dizer que é a “fazedora de livros”, a fazedora de escritores regionais.

Estava a ler sobre o professor Ruy Póvoas, eis que encontro o artigo “A Obra de  Ruy Póvoas: Percurso Editorial” da fazedora de livros sobre o papel que exerceu para que conhecêssemos as produções do professor Ruy, especialmente, a partir de 1996. Lendo o livro“ Crônica da Capitania de São Jorge dos Ilhéus”, de João da Silva Campos, na semana passada, verifiquei que lá estava como Diretora da Editus, Maria Luiza Nora; e  Maria Schaun, assessora na Editus e responsável por cuidar da 3ª edição do título em tela. Papéis importantes no processo de editoria.  A capa do livro é primorosa. Então, os livros também permitem resgatar nossas histórias. Refletir é uma das condições humanas. Assim, verificamos acertos e erros. Avancemos!

paulo cidadeA publicação de autores regionais e as temáticas da região contribuíram para consolidar a produção literária; a produção científica e a sua difusão. Tão cara aos dias atuais e tão exigível pelas as agências de pesquisa. Pouco se falava, mas já se cumpria a missão na UESC ao seguir as diretrizes da professora  Renée Albagli, reitora na época, quando criou a Editus e traçou como um dos objetivos: publicar e incentivar autores regionais e novos autores.

Assim sendo, temos a EDITUS que vai brilhando com outras lideranças e cumprindo com sua missão institucional, fomentando e apresentando novos escritores. A EDITUS com a Academia de Letras de Ilhéus promovem o concurso literário Sosígenes Costa, permitindo que os escritores baianos se inscrevam e passem pelo processo de editoração, sem falar na premiação em espécie e a promoção do Festival Literário de Ilhéus.

Vivam os fazedores de livros: os autores, as editoras, os revisores e toso o pessoal que trabalha com esse ofício. Temos  as livrarias e seus livreiros. Surgiram as plataformas virtuais que continuam a massificar e a aproximar mundos tão distantes e grandes, que parecem pequeno.

Os livros transportam ideias, pensamentos. Eles são feitos porque somos livres para pensar, para idealizar. Cultivar boas imaginações. Os livros carregam  ideias políticas, defendem igualdade, semeiam a fraternidade. Permitem florescer rosas, apesar de os espinhos nascerem também. Mas, vamos tomando os cuidados que não nos machucam. O libertário consegue conviver com os diferentes, com o que pensa o ditatorialmente. Mas aquele que pensa ditatorialmente não consegue conviver com o libertário e muito menos com o diferente.  Quando os libertários assim não fazem, recebem críticas e considerações irrepreensíveis são feitas. É o demarcador da democracia.  Afinal, no papel e nas artes podem caber tudo, mas os nossos atos e gestos não comportam atitudes intolerantes, não permitem o cultivo dos atos antidemocráticos. Os livros são luzes, mesmo que alguns insistam em pôr fim a claridade.

Penso que o excerto do discurso de posse de Adonias Filho, na Academia Brasileira de Letras, sintetiza o culto pela liberdade e pelos valores de um Estado Democrático de Direito: “Seria imperdoável não mover o tempo, fazendo-o recuar, retomando o passado como a demonstrar que a infância não morre. O menino está deitado na terra, sombras na roça de cacau, os homens cortam os frutos. O agreste de Ilhéus, Itabuna e Itajuípe, em todas as aventuras do povo do sul da Bahia, chega pelas vozes que narram. Heróis que se isolam, o sangue escorre na fala, o menino escuta. A saga é violenta, guerra e ódio, também piedade e amor, a carga humana pesa como o chão de árvores. Ouviu, o menino ouviu. E quando o romancista se debruça para escrever – sem reinventar a fábula regional, sem trair as vozes, sem esquecer as figuras – é o menino quem na verdade escreve. Esses livros, porém, tempo imóvel em minha vida, não se fariam em um país sem liberdade.”

No mundo cada vez mais virtual o suporte para o livro tem mudado bastante. Temos sido seduzidos pelo ebook, mas os processos de criação  continuam com traços assemelhados. Não se busca o papel, mas carecemos de suportes como notebooks, desktops, smartphones. Além dos autores entram em ação outras pessoas que são importantíssimas pela qualidade e estética do livro: o designer, os diagramadores, os revisores… é uma cadeia de profissionais que vai se somando.

O cultivo aos livros em uma sociedade pode dispor sobre o grau de evolução desta civilização. Pode se verificar o acesso desta nação aos recursos culturais. Meu amigo e minha amiga, pode também dizer a respeito de como valoramos o Estado Democrático de Direito. Defender a existência de livros, a circulação e o acesso deles é assegurar a vida humana na sua completude de liberdade. É possibilitar o pleno funcionamento da República de Cidadãos. Vivam os fazedores de livros! Viva a liberdade! Nenhum livro a menos!

OBS: A ideia para escrever esse texto partiu da live feita por Pawlo Cidade, escritor, realizada no domingo, 19/04/2020, iniciada às 15 horas, com duração de uma hora

 

Efson Lima – doutor em direito/UFBA. Coordenador-geral da Pós-graduação, Pesquisa e Extensão da Faculdade 2 de Julho e do Laboratório de Empreendedorismo, Criatividade e Inovação ( LABECI).  Escritor. Das terras de Itapé/Ilhéus. efsonlima@gmail.com