Efson Lima

 

efsonO mês de junho de 2019 chegou ao fim. Para nós baianos e nordestinos é um dos meses – para não ser taxativo – que as tradições ganham fôlego e mostram o quanto temos de identidade. Ontem, quinta-feira, no almoço com colegas de trabalho e à noite, após encontro de grupos de pesquisa sobre direito e literatura, o tema nordeste voltou à mesa.  E tinha que voltar, afinal, o povo do sertão com o povo da capital juntos reascendem a fogueira. Na mesa havia um gaúcho, assim, melhor ficou evidenciado o ser nordeste para os baianos. Não é o debate do pior e/ou melhor, apenas, discorrendo sobre o sujeito cultural.

De início, a expressão “cabra da peste” marcante e ligada a nossa gente possui mais de uma versão. Há quem considera que é a expressão é usada referendar o sujeito destemido, mas também pode ser dita em situação de ofensa. Será que no primeiro caso seria a confirmação do registro de Euclides da Cunha em “Os Sertões” onde “o sertanejo antes de tudo é um forte”? No Dicionário do Folclore Brasileiro, Luiz da Câmara Cascudo afirma que “cabra” era como os navegadores portugueses referendavam os índios que “ruminavam o bétel” planta com folhas de mascar. Ao longo do tempo, o animal pode ter sido visto como sinônimo de homem forte em decorrência do leite – percebido mais denso e nutritivo que o da vaca.  Há indicativo que a conotação com “peste” surgiu em virtude da má fama da cabra, identificada como sendo simpática ao diabo na tradição nordestina. Lembro que quando criança, falar o termo “peste” merecia uma tapa da minha mãe, pai, tio, irmãos…

Na Bahia, quem ainda não ouviu “Raiz de Todo Bem”, do compositor Saulo Fernandes, cantada na voz do mesmo, que parece um hino para Salvador, identifica a expressão facilmente: “Oxente, ‘cê num ‘tá vendo que a gente é nordeste?/Cabra da peste Sai daí batucador”, mais que um conjunto de palavras é a representação da nossa identidade, dos nossos sentidos e signos. Sou eu e você! Somos nós!

mapa efsonDo ponto de vista das regiões do Brasil, no ano de 1940, o país tinha as seguintes regiões: Norte, Nordeste, Este, Centro e Sul. No ano de 1950, os Estados do Maranhão e Piauí passaram a compor a Região Nordeste (antes  estavam relacionadas ao Norte). O Estado da Bahia só foi incorporado ao Nordeste a partir de 1970.  Antes, estávamos de mãos dadas com os Estados de Sergipe e Espírito Santo na denominada região “ESTE”. Sudeste nem existia.  Registra-se que essas divisões foram sendo sistematizadas a partir de 1913. Geográfico o parágrafo, mas nos oferece uma dimensão política e como foi processada a construção das identidades regionais. A forma do mapinha atual  tem sua divisão estabelecida em 1970 pelo IBGE. Aí, sim, caba da peste, somos nordeste? Não, já nutríamos  esse sentimento. Foi um redesenhar.

Abordar nordeste é muito mais que um espaço geográfico, é recorrer os povos originários, as tradições orais, a História do Brasil, as invasões, a lavoura da cana de açúcar, falar do mar e praias, da mata atlântica, do cacau. É enfrentar o problema da desigualdade socioeconômica e da concentração de terras. É relembrar literatura e compreender um sentido de território  muito mais amplo, que um mero signo geográfico, como sinaliza Milton Santos, baiano e com circulação em Ilhéus, professor do IME e membro da Academia de Letras de Ilhéus.  Símbolo maior da geografia nacional e uma das estrelas da geografia no mundo. Pena que pessoas como ele,  têm sido maltratadas na quadra atual.

O obscurantismo parece ser o caminho. Graças que estamos protegidos pelos nordestinos, que ousam não ser seduzidos pelos caminhos fáceis. Nordeste é  tratar da proposta educacional de Paulo Freire, Anísio Teixeira…propostas emancipadoras e que apresentam sentidos mais humano e problematizador.

Nordeste é terra de Ariana Suassuna, que aulas mágicas sobre cultura foram proferidas. Encantador. O “oxente” tão bem defendido. De José Lins do Rego. Do nosso eterno Jorge Amado. De Rachel de Queiroz, saudade do Quinze. Falar de nordeste é tocar na literatura de cordel. De nossos cantores, como… É terra de Lampião e de Maria Bonita.  Das lendas e dos mitos.  Da Terra onde padre tem muler. É encontro de religiões… É terra de Padim Cícero e de Mãe Menininha,  de Mãe Stella de Oxossi. É ter suas histórias e estórias contadas por escolas de samba do Rio e de São Paulo. É ver São Paulo com a ajuda de mãos nordestinas. É terra – mãe.

É terra de juristas: Teixeira de Freitas, de Rui Barbosa, de Orlando Gomes. É terra do nosso grande tributarista, a maior autoridade viva do direito na Bahia; um de nossos símbolos no Brasil, professor Edvaldo Brito, vivíssimo e atuante. A mim, mais que um advogado, um gigante na docência. Exemplo a ser seguido de comprometimento, dedicação  à docência.

Recorri aos personagens recentes, que viveram no século XX ou alcançaram o esse século. Muitos outros que descansam na infinitude poderiam ser convidados a falar, mas optei por deixá-los lá.  Com a vênia, como ainda estamos no clima do 2 de Julho, com carinho mencionamos Maria Quitéria. Oh, céus! Perdoe-me. Isto é nordeste. Isto é vida.

Nordeste é um complexo de múltilpas identidades. De múltiplos sonhos. Nordeste – tu, você, cê, oxente, continua sendo uma terra abençoada. Compreendê-lo é um desafio para nós, que aqui nascemos e/ou moramos e o mundo. Oxalá!

Duas observações aos leitores:

Antes que me esqueça, o texto do artigo era “A diversidade no mundo do trabalho e o tema iria por essa maré, mas no curso do caminho, mudei para a temática que acabara de ler. Coisas dos nossos dias. Falar de diversidade no mundo do trabalho é falar do nordestino, do baiano… outro dia, dialogamos sobre isto.

E caro leitor, aceito críticas e sugestões, portanto, podem dialogar comigo por e-mail e/ou pelas redes sociais. O perfil é o mesmo da assinatura do artigo.

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Efson Lima  – coordenador-geral da Pós-graduação, Pesquisa e Extensão da Faculdade 2 de Julho. Coordena o Laboratório de Empreendedorismo, Criatividade e Inovação.  Doutorando, mestre e bacharel em Direito/UFBA.