Debora Spagnol

Debora SpagnolQuem nunca foi incomodado por um vizinho ?  É bastante comum que a relação entre pessoas que moram em propriedades próximas (mesmo não contíguas) passe por momentos conflitantes, já que a satisfação de um direito de um dos moradores pode provocar restrições ou até mesmo violação dos direitos do seu vizinho.

Mesmo a casa sendo um lugar de sossego e descanso, nem sempre o morador está livre de interferências – e algumas precisam ser toleradas, para que o convívio social não se transforme numa verdadeira guerra. Outras condutas, porém, estão previstas em lei e sua violação poderá sujeitar o infrator a arcar com o pagamento de perdas e danos, além de outras sanções. A esse conjunto de regras e definições denominamos “direito de vizinhança”.

Para os efeitos da lei, o morador que sofrer violação ao seu direito será considerado como “vizinho”, mesmo que sua residência não seja contígua à do violador.

Alguns doutrinadores dividem o direito de vizinhança em três fontes: a) como restrição ao direito de propriedade; b) limitações legais ao domínio; e c) restrições oriundas das relações e contiguidade entre dois imóveis. (1)

O direito de propriedade é limitado “em razão do princípio geral que proíbe ao indivíduo um comportamento que venha a exceder o uso normal de um direito, causando prejuízo a alguém”. (2)

Excetuando-se os atos que prejudicam os vizinhos na forma culposa (configurando ilícitos civis), os direitos de vizinhança regem situações em que o dano é causado no âmbito do exercício de um direito, seja de forma irregular ou abusiva, vindo a causar ofensas à incolumidade de um prédio ou de seus moradores. São exemplos: festas noturnas com excesso de barulho em residências, poluição de água de uso comum pelo lançamento de resíduos, existência de árvores que ameaçam cair sobre o prédio contíguo, entre outros.

Quanto ao barulho, relembre-se que o sossego é um bem jurídico inestimável, componente dos direitos da personalidade, intimamente ligado ao direito à privacidade. A violação do sossego agride ainda a saúde e a própria segurança do indivíduo. Assim, se o barulho vindo da vizinhança não repercutir no trinômio saúde + segurança + sossego, a questão extrapolará o conflito de vizinhança, configurando atos ilegais, abusivos e excessivos (às vezes classificados na seara criminal como contravenções ou crimes).

A abusividade ou ilegalidade do ato serão consideradas levando-se em conta a zona de conflito e os costumes locais – há diferenças entre um bairro residencial e um industrial, por exemplo. Considera-se também a anterioridade da posse. Isso quer dizer que quem comprou um imóvel ao lado de uma danceteria, por exemplo, não tem razão de reclamar. Porém tal entendimento não é absoluto, já que a apuração do dano depende também das outras circunstâncias.

Os danos primeiramente deverão ser reduzidos a um nível normal de tolerância, conforme previsto no art. 1.279, do Código Civil (3).  Não sendo possível, será determinado pelo juízo (no bojo de ação cominatória) a cessação da atividade causadora do incômodo. Se a atividade for de interesse social, o causador do dano deverá ressarcir ao vizinho a título de indenização. Quando houver ameaça de ruína, o proprietário ou possuidor do prédio vizinho poderá exigir a demolição ou reparação do imóvel que constitui a ameaça.

Quando o transtorno for causado por árvores limítrofes – assim definida aquelas cujos troncos estiverem na linha divisória, pertencendo, portanto, de forma comum aos donos dos prédios confrontantes –  nenhum deles poderá arrancá-la sem o consentimento do outro. O proprietário do imóvel invadido pelas raízes e ramos que ultrapassarem a estrema do prédio, poderá cortá-los até a linha divisória. Os gastos com sua conservação e colheita devem ser divididos entre os donos, cada um obrigando-se a indenizar o outro pelos prejuízos que der causa. Se o imóvel for particular, os frutos pertencem ao dono do imóvel em que caírem; porém se a queda for provocada, configura-se o ilícito e apropriação indevida.

Quando o possuidor de imóvel que não tenha acesso (natural e absoluto) à via pública, nascente ou porto constrange o vizinho a lhe dar, mediante indenização, um trecho de seu imóvel para permitir o acesso, ocorre o que se chama passagem forçada. O termo também pode ser aplicável à tolerância de cabos e tubulações em proveito do vizinho, caso seja impossível que sua instalação se faça de outro modo. Se não for possível acordo entre os proprietários, o juiz determinará a passagem pelo imóvel que mais facilmente prestá-la. A indenização é calculada por peritos, cujo valor será. de acordo com a desvalorização da propriedade e com os prejuízos que essa passagem possa advir ao imóvel onerado. A não utilização da passagem após concedida pelo prazo de dez anos importa em perda, que poderá ser revertida mediante o pagamento de nova indenização.

Além do Código Civil, o Decreto nº 24.643/34 (Código das Águas) define cinco situações relacionadas ao assunto: a) águas que fluem naturalmente do prédio superior – de chuva ou que brotam no solo: o dono do prédio inferior é obrigado a recebê-las; b) águas levadas artificialmente ao prédio superior: se o dono do prédio inferior reclamar, deverá o causador do prejuízo indenizar os prejuízos sofridos; c) quanto às fontes não captadas: o proprietário da nascente deverá, após satisfeitas suas necessidades de consumo, deixar que corram seu curso, escoando para os prédios inferiores. Se as consumir de além de sua necessidade ou impedir o curso da água, será obrigado a reparar os danos e cessar os atos prejudiciais; d) as águas pluviais pertencem ao prédio que caírem diretamente, podendo o dono do terreno dispor livremente, salvo se houver direito de terceiro em sentido contrário. Se forem desviadas do curso, o infrator responderá por perdas e danos e será compelido a desfazer as obras erguidas; os proprietários de imóveis que possuam aquedutos poderão canalizá-los, em proveito agrícola o industrial, mediante prévia indenização. È permitido ainda que se canalize pelo prédio de outrem, mediante prévia indenização, quando necessárias para as primeiras necessidades da vida, serviços de indústria e agricultura, escoamento de águas superabundantes e enxugo ou bonificação de terrenos.

A delimitação entre os espaços é essencial para que se evitem disputas sobre os domínios, em razão da contiguidade. A regra geral diz que o direito de demarcar pertence ao proprietário de direito real: o enfiteuta, o usufrutuário, o condômino ou o usuário. Dá-se através da ação demarcatória desde o levantamento de linha divisória entre dois prédios e reavivação de rumos apagados, até a renovação de marcos destruídos ou arruinados. O interessado deverá ajuizar a ação devidamente acompanhada pelos títulos de propriedade, nos quais o juiz se baseará primeiramente para decidir a lide. Não convencido, o juiz utilizará do critério “posse” para definir a questão. Permanecendo a dúvida, a lei determina que o imóvel seja dividido em partes iguais e de forma pacífica. Impossível essa divisão de comum acordo, um dos proprietários poderá adjudicar a outra metade, indenizando o proprietário prejudicado.

O livre direito de construir, quando resultar em prejuízo à segurança, sossego e saúde da vizinhança, sofrerá limitações e restrições – seja para garantir o direito de outros vizinhos ou por contrariar regras administrativas. Nesse caso, o prejudicado poderá ingressar com uma ação demolitória, no prazo de ano e dia após a conclusão da obra. Antes porém de determinar a demolição, o juiz verificará se são possíveis conservar ou adaptar a obra aos regulamentos administrativos, verificando a eventual existência de vícios (in) sanáveis. Além da demolição, o proprietário da obra que causou os prejuízos será condenado a arcar com as perdas e danos sofridos. Há algumas decisões que permitem, nesse caso, que o proprietário condenado tem o direito de ajuizar ação regressiva contra o engenheiro imperito, imprudente ou negligente que causou os danos.

Com relação aos tapumes, os de uso comum terão seus custos arcados por todos os proprietários, aí incluídas as despesas de construção, manutenção e conservação. O proprietário que desejar tapumes especiais (em razão de animais domésticos ou crianças, por exemplo), responderá sozinho por essas despesas.

As paredes divisórias integram a estrutura do edifício e constituem elemento de vedação e sustentação. Cabe ao confinante que primeiro construir a possibilidade de assentar a parede divisória até meia espessura no terreno contíguo, sem perder por isso o direito de haver meio dela se o vizinho a travejar, caso em que o primeiro fixará a largura e a profundidade do alicerce. (4)

Os vizinhos poderão fazer uso do prédio ao lado, desde que mediante aviso prévio e para: em uso temporário, quando indispensável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório; apoderar-se de coisas suas (inclusive animais) que ali se encontram casualmente. O eventual dano causado deverá ser reparado.

As ações relativas ao direito de vizinhança são imprescritíveis, podendo ser propostas enquanto perdurar o ato turbativo. Cessada a turbação, a ação somente poderá ser indenizatória com prazo prescricional de dez anos.

Não se confunda o direito de vizinhança com a servidão: enquanto aquele decorre da vontade da lei e representam limitação ao domínio, esta é direito real sobre coisa alheia, onde o prédio dominante possui prerrogativa sobre o prédio serviente, sem que a recíproca seja verdadeira. Enquanto os direitos de vizinhança dispensam registro e surgem da mera contiguidade dos prédios, a servidão só é constituída após seu registro em cartório.

A relação entre vizinhos, como qualquer relação social, importa em direitos (nesse caso de uso, gozo e usufruto da propriedade), contrabalançados por obrigações (utilização do direito de vizinhança de forma lícita, regular e formal.

 

Fontes:

1 – RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v.5 – Direito das coisas. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 119

2 – COURA, Bernardo Cesar. Considerações sobre o direito de vizinhança. Disponível em: https://bernardocesarcoura.jusbrasil.com.br/noticias/201002641/consideracoes-sobre-o-direito-de-vizinhanca

3 – Art. 1.279, CC: “Ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências, poderá o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando estas se tornarem possíveis”.

4 – Art. 1.305, Código Civil.

 

https://www.direitonet.com.br/resumos/exibir/55/Direitos-de-vizinhanca

http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI172678,91041-STJ+aplica+normas+do+Direito+de+vizinhanca+para+resolver+conflitos