Debora Spagnol

Debora SpagnolO COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras é um dos órgãos federais que mais se mantém na mídia desde 2018. E uma das razões é o suposto envolvimento da família do atual Presidente da República em transações não declaradas ao órgão. (1)

O COAF foi criado a partir da Lei nº 9.613/98, justamente aquela que diz respeito à prevenção e combate aos crimes relacionados à lavagem de dinheiro (2), possuindo como principais finalidades o dever de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas, sem prejuízos da competência de outros órgãos e entidades. A partir da Medida Provisória nº 870/2019, o COAF passou a integrar o recém-criado Ministério da Justiça e Segurança Pública (3).

Assim, todas as operações que possuam caráter suspeito envolvendo moeda nacional ou estrangeira, títulos e valores mobiliários, metais preciosos ou, ainda, qualquer outro ativo passível de ser convertido em dinheiro de valor igual ou superior a R$ 10.000,00 devem ser informadas ao COAF pelas instituições bancárias. Deve ainda ser informado qualquer depósito ou retirada em espécie e qualquer pedido de provisionamento para saque, de valor igual ou superior a R$ 100.000,00.

Em março de 2018 entrou em vigor a Resolução nº 29/2017 do COAF, que regulamentou o art. 9º da Lei nº 9.613, no que se refere às pessoas sujeitas aos mecanismos de controle previstos pela legislação, para potencializar a identificação de corrupção e tentativas de lavagem de dinheiro.

Lavagem de dinheiro é o processo pelo qual o criminoso transforma recursos ganhos em atividades ilegais em ativos com origem aparentemente legal. Essa prática geralmente envolve múltiplas transações, usadas para ocultar a origem dos ativos financeiros e permitir que eles sejam utilizados sem comprometer os criminosos.

O crime de “Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores”, tipificado na Lei nº 9.613/98, é o conjunto de operações comerciais ou financeiras que busca incorporar na economia de cada país recursos, bens ou serviços que se originam ou estão ligados a atos ilícitos. Os ganhos ou os recursos obtidos de forma ilícita, após transitarem por diversas negociações, passam a exibir uma aparência de legalidade e essa prática geralmente envolve várias transações, usadas para ocultar a origem dos ativos financeiros e permitir que eles sejam utilizados sem comprometer os infratores.

O processo de lavagem de dinheiro envolve geralmente três etapas independentes que podem ocorrer simultaneamente: a) Colocação – para dificultar a identificação da falta de procedência legal do dinheiro, os infratores utilizam técnicas cada vez mais sofisticadas e dinâmicas, buscando colocar os recursos ilegais em circulação, fracionando valores que transitam pelo sistema financeiro por meio de depósitos, compra de instrumentos negociáveis ou compra de bens e, para isso, buscam estabelecimentos que trabalham com dinheiro em espécie, para ocultar sua origem; b) Ocultação – consiste em dificultar o rastreamento contábil dos recursos ilícitos, apagando as suas evidências, buscando dificultar uma investigação sobre a origem do dinheiro. Os infratores buscam movimentá-lo de forma eletrônica, fazendo múltiplas transferências, utilizando, sempre que possível, contas anônimas – preferencialmente, em países amparados por lei de sigilo bancário – ou realizando depósitos em contas “fantasmas”; c) Integração – os ativos são incorporados formalmente ao sistema econômico-financeiro.

Assim, o que providenciou via legislativa foi a identificação de quem é a “Pessoa Exposta Politicamente – PEP”, harmonizando-se assim com a nomenclatura internacionalmente aceita (Politically Exposed Person – PEP). Os “PEP´s” são indivíduos que exercem ou exerceram algum cargo ou função pública relevante, no Brasil ou no exterior, incluindo-se no conceito os familiares ou pessoas com relação de proximidade com os mesmos.

O debate em torno desse tema deve ser aproveitado pelas empresas para rever diretrizes e protocolos para manter hígidas as parcerias e contratos com esses indivíduos, porém sem se sujeitar à mão pesada da lei, seja através de investigações em curso ou condenações, o que pode resultar em gravíssimos prejuízos para a organização.

De forma simples, se a pessoa identificada como “PEP” se enquadra em uma das profissões públicas declaradas como relevantes pela Instrução Normativa nº 26/2008, da Secretaria de Previdência Complementar (SPC). São exemplos: detentores dos mandatos eletivos dos poderes Executivo e Legislativo da União, Presidente, Vice-Presidente, Ministros, Deputados Estaduais e Federais, tesoureiros de partidos entre outros. Ou, ainda, se a pessoa é parente de primeiro grau, cônjuge, enteado ou próximo de alguém classificado. (4)

Para facilitar e automatizar esse processo e otimizar a rotina das empresas, existem ferramentas que podem ser consultadas. A Serasa Experience, por exemplo, oferece planos para identificar se alguém é uma Pessoa Exposta Politicamente ou se um indivíduo é relacionado por meio de parentesco ou sociedade com as PEP’s. (5)

A principal responsabilidade das PEP´s é a de declarar de modo explícito todos os negócios e acordos fechados com empresas privadas.  O princípio por trás da regra é justamente manter a transparência com a origem dos recursos, minimizando crimes de ocultação de patrimônio.

Não obstante os discursos exagerados e falaciosos utilizados para fins eleitoreiros, o combate à corrupção tornou-se um dos maiores desafios atuais em meio ao cenário político e social conturbado.

Na vida empresarial, a relação contratual com as PEP´s pode resultar em vários problemas, como os seguintes:

  1. USO DE DINHEIRO ILEGAL – as PEP´s em geral movimentam grandes somas em dinheiro, cuja origem nem sempre é conhecida ou legal. Isso pode contaminar o caixa da empresa, sujeitando seus administradores a processos criminais por conhecimento e complacência com a situação.
  2. MÁ REPUTAÇÃO – quando uma denúncia de fraude surge na mídia, todos os envolvidos direta ou indiretamente com o acusado passam a ser observados e investigados. Mesmo as negociações tenham sido idôneas, a empresa pode sofrer danos à sua imagem na mídia e queda de reputação no mercado.
  3. DRIBLES FISCAIS – originados pela ocultação de patrimônio, é uma das práticas mais comuns e também uma das mais repreendidas pelo Estado. Com objetivo de driblar órgãos fiscais são omitidos registros e burlados os pagamentos de tributos. Nesse caso também a empresa e seu administrador podem ser relacionados às atividades ilegais praticadas pelas PEP`s.

Não obstante os cuidados necessários, ao contrário do que alguns empresários entendem (talvez por desconhecimento) não é vetada a realização de negócios com as PEP`S: um bom programa de reestruturação da empresa e de suas práticas negociais pode dar todo o suporte necessário ao desenvolvimento de negócios éticos e transparentes, afastando-se assim qualquer risco ou suspeição.

O grau de mobilização da sociedade mundial contra as atividades de uso das estruturas legais para incorporar formalmente ao sistema econômico recursos adquiridos de forma ilícita e a Lei nº 9.613/98 é a base central da definição de diretrizes de prevenção às ações de lavagem de dinheiro.

Nesse sentido, a postura organizacional deve ser fundamental e a maior motivadora para a criação de diretrizes empresariais alinhadas e em conformidade com os dispositivos legais, normativos e de saudáveis práticas.

 

1 – Site Terra. Notícias. “Entenda a investigação envolvendo a família Bolsonaro”. 2018. Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/brasil/entenda-a-investigacao-envolvendo-a-familia-bolsonaro,7018f76f8a0976f10f53ba6be9ee3cbcgbsiuz0j.html>. Acesso em jan.2019

2 – Brasil. Planalto. “Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998”. Disponível no link: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9613compilado.htm>. Acesso em jan.2019

3 – Brasil. Planalto. “Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019”. Disponível no link: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Mpv/mpv870.htm#art72>. Acesso em jan.2019

4 – Superintendência Nacional de Previdência Complementar. Regulação. Disponível em: <http://www.previc.gov.br/regulacao/normas/instrucoes/instrucoes-spc/2008/instrucao-normativa-spc-no-26-de-1o-de-setembro-de-2008.pdf/view>. Acesso em jan.2019

5 – Blog LEC NEWS. Legal Ethics Compliance. “Pessoas expostas politicamente: confira informações importantes sobre o assunto”. Disponível em: <http://www.lecnews.com.br/blog/pessoas-expostas-politicamente-confira-informacoes-importantes-sobre-o-assunto/?utm_campaign=compliance_news_1119&utm_medium=email&utm_source=RD+Station>. Acesso em jan.2019