Débora Spagnol

debora 2Amplamente divulgado pelas redes sociais e veículos de comunicação, o afastamento do jornalista William Waack de suas funções à frente de uma conhecida rede de televisão trouxe à tona a questão do racismo e da injúria racial. (1)

Embora tenham se passado vários meses da ocorrência dos fatos (sua divulgação tardia, portanto, sugere finalidade marqueteira), o vídeo mostra William entre gravações em frente à Casa Branca proferindo palavras depreciativas contra motoristas negros que buzinavam. Diante da enorme repercussão do vídeo nas redes sociais, a emissora optou por manter a mesma estratégia de “defesa das minorias” adotada na ficção: o afastamento do apresentador foi a solução real adotada pela emissora na tentativa de demonstrar seu engajamento: sacrificou-se o anel para manterem-se os dedos. Em tempos idos, a mesma emissora foi bem tolerante com casos públicos de racismo apresentados em seus “reality shows”, sem que se tomasse qualquer medida contra os envolvidos. (2) Além disso, a emissora tem um conhecido histórico em apresentar estereótipos depreciativos contra os negros, conforme se pode observar em toda a sua grade de programação: das telenovelas aos jornais, os negros são minoria e tem pouca representatividade.

Para além da mídia brasileira, o fato é que o racismo está presente na história da humanidade. Não é raro que cidadãos são apresentados à sociedade como criminosos por conta dos tipos de cabelos, religião, cor da pele ou outras características pessoais (3). Como consequência são agredidas, mortas e proibidas de frequentar certos lugares. São absurdamente segregados por razões biológicas numa sociedade em que a intolerância visa suprimir as diferenças – essenciais para a completa humanização dos povos.

De forma simples, o racismo pode ser definido como uma teoria ou doutrina que considera as características e comportamentos humanos como hereditariamente determinados, pressupondo a existência de algum tipo de correlação entre os aspectos ditos “raciais” – físicos e morfológicos – e culturais – atributos morais e mentais, entre outros – dos indivíduos, populações ou grupos sociais. Também é definida como racismo qualquer doutrina que sustenta superioridade biológica, cultural e/ou moral de determinada raça ou população, povo ou grupo social considerado como raça.

Diz-se que, no Brasil, o racismo começou em 1530, com a chegada dos navios negreiros repletos de africanos oriundos de Moçambique, Gana, Angola e Congo e que se submetiam a tratamentos desumanos na condição de escravos. Passados tantos anos, a desigualdade racial hoje se manifesta na forma de violência: segundo o Mapa da Violência no Brasil de 2015, para cada homem branco assassinado no país morrem 2,5 negros. (4)

Nesse contexto, a internet e a facilidade de acesso à informação e à expressão de opiniões escancarou as duas faces da questão racial: dá espaço à vazão da intolerância de muitos (que destilam seu ódio através de postagens, fotos e filmagens) ao mesmo tempo em que permite que grupos se organizem para conquistar espaços ou manter os já conquistados. O discurso de ódio, porém, se mostra travestido de liberdade de expressão.

Em termos de legislação, dispomos do art. 5º, XLII da CF (5) que considera o racismo crime inafiançável e imprescritível. Também há a Lei nº 7.716/89 que define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor. (6)

Mas é importante frisar que, embora pareçam intimamente ligados, os conceitos jurídicos de injúria racial e racismo são diferentes.

Numa conceituação simples, INJÚRIA RACIAL consiste em ofender a honra de alguém se valendo de elementos referentes à sua raça, cor, religião, etnia, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. O crime de injúria, portanto, está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra de uma pessoa determinada, que se traduz numa atribuição negativa a uma pessoa e que venha a ofender a sua honra e sua auto estima. São exemplos de injúria racial as ofensas proferidas contra a apresentadora Maju, da mesma emissora de William Waack (7) e a situação vivenciada por um goleiro negro de um time gaúcho que foi chamado de “macaco” pela torcida adversária. O crime está previsto no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, prevendo pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência que for cometida. A prescrição ocorre em oito anos e se dá se nesse prazo não houver sentença transitado em julgado.

Já o crime de RACISMO, previsto na Lei nº 7.716/89 e considerado inafiançável e imprescritível pela Constituição Federal, implicando uma conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade, geralmente referindo-se a crimes mais amplos. São considerados como atos de racismo: recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negar ou obstar emprego em empresa privada, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais, entre outros. No país, são mais comuns os casos enquadrados no artigo 20 da lei: “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

A fala de William Waack, a princípio, não configura injúria racial. Mas o vídeo provavelmente embasará uma ação judicial movida pelo Ministério Público contra o apresentador em razão de que a “piada” se trata de ofensa a todos os negros. A finalidade da ação cível, portanto, seria punir o apresentador para que ações como essa deixem de ser consideradas normais.

As punições às manifestações de racismo e injúria racial são aplicáveis inclusive se forem cometidas no meio virtual. Embora o Marco Civil da Internet privilegie a liberdade de expressão, ele também garante o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos. Nesse caso, a honra e a dignidade da pessoa humana devem ser preservados.

Além dos agressores que proferiram diretamente as ofensas com conteúdo racista ou injurioso, usuários que “curtem” ou “compartilham” as postagens também podem ser criminalmente processados. (8)

Aos ofendidos, portanto, garante-se o direito de processar civil e criminalmente os ofensores. Se as ofensas ocorrerem através da internet, a vítima deve providenciar uma “ata notarial” – documento confeccionado por tabelião e que garante o registro da postagem e dos compartilhamentos, se eventualmente ela vier a ser excluída pelo agressor.

Na via cível, os ofendidos podem buscar indenização monetária a fim de reparar os prejuízos emocionais resultantes das ofensas.

Compreender as razões raciais e as diversas formas como o racismo de manifesta, causando enormes prejuízos e retrocessos à coletividade é fundamental para que tenhamos uma transformação da nossa sociedade. (9)

 

REFERÊNCIAS

1- http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2017/11/08/interna_diversao_arte,639695/apos-video-racista-william-waack-e-afastado-das-funcoes-na-globo.shtml. Acesso em novembro/2017

2 – https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/09/politica/1510258952_314771.html. Acesso em novembro/2017

3 – De certa forma, lembra o “perfil lombrosiano” dos criminosos. Cesare Lombroso é considerado o pai da criminologia moderna e tornou-se muito conhecido por divulgar as características físicas que definiriam os criminosos. Atualmente, porém, suas ideias soam como preconceituosas e tendenciosas. Mais sobre o assunto no link: https://construindovictoria.wordpress.com/2013/03/04/as-caracteristicas-de-um-criminoso-segundo-cesare-lombroso/. Acesso em novembro/2017.

4 – http://especiais.ne10.uol.com.br/raizes-da-intolerancia/racismo.php. Acesso em novembro/2017

5 – Constituição Federal – art. 5º, XLII: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.

6 – Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7716.htm. Acesso em novembro/2017.

7 – Notícia completa: https://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/07/03/injuria-racial-como-a-sofrida-por-maju-pode-render-ate-3-anos-de-prisao.htm. Acesso em novembro/2017.

8 – Dicas importantes antes de compartilhar conteúdo da internet: https://tab.uol.com.br/humilhar-internet/. Acesso em novembro/2017.

9 – Para conhecer mais sobre o assunto, recomendo o vídeo de Carlos Medeiros, disponível no link: https://vimeo.com/169275549. Acesso em novembro/2017.