Eulina Lavigne

 

eulina lavigneQuando pequenos sempre que sentíamos medo ou ameaçados por algo, seja em função das nossas fantasias relacionadas ao bicho papão, bruxas, o homem da caverna dentre outros, ou em função de situações vivenciadas de ameaças concretas, corríamos para aquele(a) que tinha autoridade para nos defender. Um adulto forte, que pudesse usar da sua força e determinação e resolvesse a nossa situação. Os nossos heróis! Ou, com raras exceções, íamos lá e resolvíamos a parada no tapa.

Esses movimentos eram reforçados por consignas que repreendiam o desejo de enfrentar corajosamente aquilo que nos ameaçava ou que nos impulsionava para a agressividade. O diálogo era algo ainda muito ameaçador também.

medoTipo assim: “Nem vá lá pois o bicho papão lhe come!” “Ou se chegar aqui apanhado, vai apanhar!” Ou até: “Fale com a professora que ela resolve.”

No meu entendimento,estamos vivenciando com as eleições algo parecido. O medo vem sendo o motivador para votar neste ou naquele candidato e vamos em busca de heróis e mitos para nos salvar.  Pelo menos é o que ouço e leio nos lugares por onde círculo.

De um lado sinto pessoas com receio de perderem as suas conquistas votando em um candidato que julgam ser forte e corajoso o suficiente para enfrentar os seus medos. Do outro, pessoas com medo de que a violência e agressividade se espalhe e inviabilize a possibilidade do diálogo. Outras que atacam com uma facada. E aquelas que, para não vivenciarem nem uma dessas possibilidades, votam em quem acreditam e até em quem não acreditam. E assim, cada pessoa busca o candidato que entende ser o melhor para si e para todos.

Com os estudos da terapia sistêmica, aprendi que, muitas vezes o medo é a defesa da raiva e com ele nos protegemos da nossa agressão. Muitas vezes, uma pessoa expressa a sua bondade para esconder a sua agressão e pode usar, de forma inconsciente, a agressão do outro para expressar a sua.

Eu sei que é difícil ler isto e, às vezes, assustador. E no decorrer da minha vida tive que arrancar a máscara da minha pura bondade e olhar para a minha agressividade mal amada e perceber que eu era humana. Que tanto a agressividade e a bondade fazem parte de mim. E o amor também. E só quando pude olhar para isso encontrei um equilíbrio mais sustentável e forças para me colocar e entender que, o diálogo é o melhor caminho.

E será que podemos dialogar sempre? Nem sempre. Para que isto aconteça se faz necessário que uma ou mais pessoas desejem dialogar. Uma? Sim. Pois antes de dialogar com o outro, se faz necessário dialogar consigo.

E o diálogo exige de nós um olhar mais acurado sobre nós, inclusive sobre os nossos medos e a nossa agressividade. E nem sempre estamos preparados para isto. E se não dialogo comigo imagina com o outro!

 

E o que fazer então? Escolho um caminho e se o caos se instalar mais do que está instalado, respiro, busco aprender com a situação e caminho para a transformação.

Lembrando que acima de tudo está o respeito a pensamentos divergentes. Respeitar não significa aceitar e sim compreender que cada um faz o seu caminho e nem sempre eu preciso fazer o caminho do outro e com o outro.

O fato é que, uma hora vamos precisar olhar para as nossas sombras e firmar o amor, pois como diz Wally Salomão:

Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto.
É ela !!!
Todo mundo sabe, sou uma lisa flor de pessoa,
Sem espinho de roseira nem áspera lixa de folha de figueira.

Esta amante da balbúrdia cavalga encostada ao meu sóbrio ombro
Vixe!!!
Enquanto caminho a pé, pedestre — peregrino atônito até a morte.
Sem motivo nenhum de pranto ou angústia rouca ou desalento:
Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto
E se apossou do estojo de minha figura e dela expeliu o estofo.

Quem corre desabrida
Sem ceder a concha do ouvido
A ninguém que dela discorde
É esta
Selvagem sombra acavalada que faz versos como quem morde.