Debora Spagnol

Debora SpagnolA ideia de um governo na qual o povo (demos) governe (cracia) ou execute diretamente as tarefas administrativas e legislativas do Estado surgiu na Grécia antiga. Nela, os cidadãos governavam a “polis” reunindo-se em assembleia na ágora (praça pública) e votando a favor ou contra determinada lei ou ação.

Contudo, mesmo na Grécia antiga, que mais perto chegou de um governo democrático, não havia a participação integral de todos os membros do Estado porque as mulheres, crianças, escravos e estrangeiros não eram considerados cidadãos. E participar das decisões políticas era privilégio dos cidadãos. A palavra “democracia” inclusive, muitas vezes foi aplicada de forma depreciativa, pois a aristocracia (nela incluídos filósofos importantes, como Platão e Aristóteles) era contrária a um governo de iniciativa popular. (1)

Na transição da antiguidade para a modernidade, o termo “Democracia” teve alteração de seu significado: de um sistema de governo no qual o povo participa diretamente do poder executivo, passou a ser definida como um sistema “representativo” de governo, cujos poderes Executivo e Legislativo são exercidos por representantes eleitos através do sufrágio popular: o voto.

No Brasil, a primeira eleição ocorreu em 23 de janeiro de 1532 e deu-se de forma indireta: os moradores da primeira vila fundada na colônia portuguesa – São Vicente, em São Paulo – elegeram seis representantes que escolheram os oficiais do Conselho Municipal, orientadas por uma legislação de além-mar: o Livro das Ordenações português, elaborado em 1603.

As eleições deixaram de se restringir ao âmbito municipal somente em 1821, sendo possível apenas aos homens livres (inclusive analfabetos) o direito de voto. Não existiam partidos políticos e o voto era secreto. (2)

Após a independência do Brasil, surgiu em 1824 a primeira legislação eleitoral brasileira. Porém as eleições dos períodos colonial e imperial foram marcadas por fraudes, facilitadas por votos por procuração e contabilização de votos de falecidos, crianças e moradores de outras localidades.

Em 1881, através da “Lei Saraiva”, foi criado o título de eleitor que, porém, não reduziu o número de fraudes eleitorais, já que não possuía foto do cidadão. As eleições também não expressavam o desejo da maioria da população, já que menores de 21 anos, mulheres, analfabetos, mendigos, soldados rasos, indígenas e integrantes do clero eram impedidos de votar.

O voto direto para Presidente e Vice surgiu na Constituição Republicana de 1891, sendo Prudente de Morais o primeiro eleito. Essa foi a época da república “café-com-leite”, alternando-se o poder entre São Paulo e Minas Gerais.

Até a Revolução de 30, a República foi marcada por eleições ilegítimas: fraudes e “votos de cabresto” eram comuns, com os detentores do poder econômico e político manipulando o resultado das urnas. As fraudes eram tão escancaradas que reduziram a participação da população nas eleições.

A década de 30 (com Getúlio Vargas no poder) trouxe esperanças de eleições livres e diretas, o voto passou a ser secreto e foram criados o TSE e os TER´s. Em 1932 as mulheres conquistaram o direito ao voto. Entre 1937 e 1945, durante o Estado Novo, não houve eleições, o Congresso foi fechado e o país marcado pelo centralismo político. Em 1945, pressionado, Vargas permitiu a reorganização partidária e a realização de eleições, resultando vencedor o general Dutra. As cédulas eram distribuídas pelos partidos e eram impressas com o nome de apenas um candidato. Somente em 1955 a Justiça Eleitoral passou a produzir as cédulas e ser exigida a foto no titulo de eleitor.

Nas décadas de 60 e 70 o país foi marcado pela ditadura e pelo bipartidarismo (Arena e MDB), sendo que somente em 1972 foram restauradas as eleições diretas para senador e prefeito, exceto nas capitais. Em 1978, mesmo com todas as manipulações dos militares, Ulysses Guimarães do MDB saiu vitorioso das urnas, obtendo 57% dos votos. Encerrou-se em seguida o bipartidarismo.

Em 1984, milhares de pessoas foram às ruas exigindo “Diretas Já”. Apesar das pressões populares, a proposta de emenda à Constituição que restituía o voto direto foi rejeitada porque não era interessante aos militares e às lideranças civis, que temiam a ascensão do populismo: uma preocupação sempre presente na elite brasileira.

Em 1985 foi eleito (de forma indireta) o primeiro presidente pós-golpe: Tancredo Neves. Mesmo assim, a população mostrou-se esperançosa, marcando assim o fim do regime militar e o início da democratização do país. Era o início da Nova República. Nesse mesmo ano foi extinta a fidelidade partidária e flexibilizadas as exigências para o registro de novos partidos, estabeleceu-se eleições diretas para presidentes e prefeitos e se concedeu o direito ao voto aos maiores de 16 anos e aos analfabetos.

A Constituição de 1988 estabeleceu eleições diretas com dois turnos para a presidência, os governos estaduais e as prefeituras com mais de 200 mil eleitores e prevê ainda mandato de cinco anos para presidente. Em 1989 consolidou-se de vez a democracia, com a primeira eleição direta para presidente, sendo esse o período considerado o mais importante para a formação da opinião pública. Fernando Collor de Mello venceu o segundo turno das eleições com mais de 35 milhões de votos.

Em 1993, um plebiscito levou às ruas mais de  67 milhões de eleitores, que votou pela manutenção da República e do presidencialismo. Em 1994 o mandato presidencial foi reduzido para quatro anos. Em 1996 foram utilizadas pela primeira vez as urnas eletrônicas nas eleições municipais e em 2000 foram introduzidas nas eleições do país. Em 1997, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso foi aprovada a emenda que possibilita a reeleição.

Em 2002 foi instituída a verticalização das coligações partidárias. De lá para cá, várias mudanças legislativas foram implementadas: fidelização partidária, doação de fundos de campanha, entre outros.

O fato é que a democracia no Brasil ainda é embrionária: o primeiro presidente eleito diretamente pelas urnas foi há apenas três décadas. Ainda não temos no sangue o amor pela política, que é essencial para bem votar e exigir de nossos representantes que façam jus a confiança que lhes foi depositada através do voto.

Outubro se aproxima e com ele as eleições em que serão escolhidos pelo voto popular o presidente e vice-presidente da República, governadores e vice-governadores de estado e do Distrito Federal, senadores, deputados federais, estaduais e distritais. A votação será realizada simultaneamente em todo o país no dia 7 de outubro, em primeiro turno, e no dia 28 de outubro, nos casos de segundo turno.

As eleições em países democráticos como o Brasil têm o objetivo específico de converter votos em mandatos políticos através de uma captação eficiente, imparcial e segura da vontade popular, conferindo-se assim legitimidade a todo o processo. Também é através das eleições que se visa garantir a representação dos diversos grupos sociais, oportunizando lhes a defesa de seus interesses.

A Carta de 1988 previu dois tipos de sistemas eleitorais: o majoritário e o proporcional.

Majoritário é aquele em que o candidato vencedor da eleição é o que obtiver a maioria dos votos. E a maioria pode ser absoluta – que compreende a metade dos votos dos integrantes do corpo eleitoral mais um voto; ou relativa (também chamada simples), que considera eleito o candidato que alcançar o maior número de votos em relação ao seu concorrente. (3)

Nesse tipo de sistema eleitoral, têm-se ainda dois tipos de lista: aberta, em que os candidatos são escolhidos diretamente pelos eleitores; e fechada, quando o eleitor vota apenas no partido político e este seleciona os candidatos que ocuparão os mandatos eletivos. No Brasil optou-se pela lista aberta, através da qual são eleitos pelo sistema majoritário os senadores, presidente da República, governadores e prefeitos e seus respectivos vices.

Já no sistema proporcional a representação se dá na mesma proporção da preferência do eleitorado pelos partidos políticos, observada a sua representatividade. São eleitos por esse sistema os deputados federais, estaduais e distritais, além dos vereadores.

Apesar de obrigatório o voto é livre, competindo apenas ao eleitor o ônus de escolher o seu candidato – ou até mesmo não escolher candidato algum. Ou seja: o cidadão é obrigado a comparecer ao local de votação ou a justificar sua ausência, mas pode optar por votar em branco ou anular o seu voto.

Ocorre que a insatisfação com a forma de condução dos rumos do país pelos que foram democraticamente eleitos faz ecoar nas redes sociais o desejo de opção pelos votos nulos e brancos, na crença de que através da invalidação do voto se possa fazer uma assepsia política e melhorar a realidade social.

Entre os séculos 19 e 20 o voto nulo serviu de bandeira ideológica aos filósofos que o pregavam como condição liberdade, na medida em que comparavam os presidentes eleitos a reis tiranos que oprimiam seus súditos. A sociedade ideal seria então aquela organizada pelas próprias pessoas, sem funcionários, sem autoridades e sem líderes (4). Com o tempo tal discurso esvaziou-se, mas a cada pleito eleitoral ressurge entre os eleitores o anseio pelo voto de protesto.

Mas qual é a diferença entre o voto em branco e o voto nulo?

VOTO EM BRANCO – De acordo com o Glossário Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o voto em branco é aquele em que o eleitor não manifesta preferência por nenhum dos candidatos. Antes do aparecimento da urna eletrônica, para votar em branco bastava não assinalar a cédula de votação, deixando-a em branco. Hoje em dia, para votar em branco é necessário que o eleitor pressione a tecla “branco” na urna e, em seguida, a tecla “confirma”. Antes da promulgação da Constituição Federal o voto branco era considerado válido, isto é, era contabilizado na totalidade dos votos para o candidato vencedor. Assumia assim o caráter de conformismo, no qual o eleitor se mostrava satisfeito com o candidato que vencesse as eleições. (5)

VOTO NULO – O TSE considera como voto nulo aquele em que o eleitor manifesta sua vontade de anular o voto, ou seja: que ele seja invalidado pelas urnas. Para votar nulo, o eleitor precisa digitar um número de candidato inexistente, como por exemplo, “00”, e depois a tecla “confirma”. O voto nulo era, tempos atrás, considerado como voto de protesto contra os candidatos ou contra classe política em geral.

Atualmente o pleito eleitoral é regulado pela Constituição Federal e pela Lei das Eleições (9.504/1997), vigorando o princípio da maioria absoluta de votos válidos, ou seja: apenas os votos válidos, que são os votos nominais e os de legenda, são considerados para definir os resultados das eleições, desconsiderando-se os votos em branco e os nulos.

Assim, no que se referem aos votos majoritários (aqueles que elegem presidente, senadores, governadores, prefeitos e vices) os votos nulos e brancos acabam constituindo apenas um direito de manifestação de descontentamento do eleitor, não tendo qualquer outra finalidade para o pleito eleitoral: os votos brancos são considerados inválidos e não favorecem nenhum candidato; já os votos nulos apenas diminuem o total de votos válidos, não tendo poder algum de influenciar no rumo de qualquer eleição. (6)

Há uma crença (falsa) divulgada pelas redes sociais de que se a nulidade atingir mais da metade dos votos haverá nova eleição. A situação realmente está prevista no art. 224 do Código Eleitoral (7). Mas essa nulidade não deve se confundir com a manifestação apolítica do eleitor, mas se referem aqueles votos captados ilicitamente e que assim serão decretados pela Justiça Eleitoral.

Ao decidir votar nulo ou em branco, é importante que o eleitor esteja consciente dessas implicações, arcando assim com o ônus de sua responsabilidade que, ressalte-se, não se limita a eleger, mas deve se perenizar durante o mandato, cobrando-se dos eleitos o desempenho de seus cargos de forma íntegra, legal e em benefício dos interesses da sociedade.

A quem diz não se interessar por política, oportunas são as palavras de Maquiavel,  segundo as quais na política quem não toma partido é dominado pela política dos que a tomam e se manter inerte diante de uma injustiça é escolher o lado do opressor. (8)

Somente os votos válidos tem força para que se concretize a verdadeira democracia. Pense nisso. Vote certo.

 

REFERÊNCIAS:

1 – Wikipédia: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_democracia>. Acesso em ago.2018

2 – Câmara dos Deputados – Política. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/93439-CONHECA-A-HISTORIA-DO-VOTO-NO-BRASIL.html> . Acesso em ago.2018

3 – Governo do Brasil. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/governo/2012/05/eleicao-majoritaria-e-proporcional>. Acesso em ago.2018.

4 – Revista Super Interessante. Disponível em: <http://super.abril.com.br/cultura/adianta-votar-nulo>. Acesso em ago.2018

5 – Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleitor/glossario/glossario-eleitoral>. Acesso em ago.2018

6 – Lei nº 9.504/97: Art. 2º – “Será considerado eleito o candidato a Presidente ou a Governador que obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos”.

Art. 3º – “Será considerado eleito Prefeito o candidato que obtiver a maioria dos votos, não computados os em branco e os nulos”.

7 – Lei nº 9.504/97: Art. 224 – “Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias”.

8 – MAQUIAVEL; Niccolo: O Príncipe”. São Paulo, Folha de São Paulo, 2010. Coleção “Livros que mudaram o mundo”. Vol. 02