Débora Spagnol

debbieOs behavioristas (1) têm uma bela e prática definição sobre o amor: “{…] o amor não é algo dado, algo que motiva o relacionamento; há pura e simplesmente duas pessoas agindo, há uma relação, há uma troca, duas pessoas trocando afetos (reforços) e sendo afetadas (reforçadas). Não há espaço para culpar o destino, as pessoas se encontram e as pessoas agem sobre o mundo uma das outras e isso as transforma ! Ao continuarmos afetando e sendo afetados pela outra pessoa é que nossa relação se estabelece, se mantêm e provem frutos […]”.

Não é forçoso concluir que em nossa cultura, no que se referem a relacionamentos amorosos, os comportamentos tendem a se basear em regras sociais (como devem ser ou estar as relações, com quem devemos nos relacionar e como devemos nos comportar). As regras são tão definidoras que superam, por vezes, até mesmo os sentimentos que deveriam permear as relações. Afinal, segundo o senso comum, são os sentimentos os motivadores dos relacionamentos – ou não ?

Com a evolução da economia, das artes, da ciência e das relações sociais, vimos surgir vários tipos de relacionamento. Além dos tradicionais monogâmicos, há os poli amorosos, os abertos, os que prescindem de coabitação, entre outros. Em comum, todos os relacionamentos surgem com a finalidade de suprir as necessidades pessoais e a busca de benefícios mútuos, benefícios estes que são questão de foro íntimo e, portanto, personalíssimos.

Enquanto algumas pessoas se relacionam para suprir necessidades afetivas de companhia, carinho, amor, cuidado e gerar filhos, há outras em que a relação tem prioridades diversas: a conquista de uma melhor posição social, o conforto material, o poder e todos os demais benefícios que o dinheiro pode proporcionar.

Nas antigas sociedades gregas e romanas os sentimentos e os afetos naturais, embora pudessem existir, não eram considerados para os arranjos casamenteiros: a unidade familiar era formada para manter o credo religioso. O próprio termo grego que definia família (epístion) literalmente significa: aquilo que está junto do fogo sagrado. (2)

No decurso da história, os motivos para o casamento evoluíram da função religiosa para econômica e política (o casamento passou a ser meio de conquista de reinos e formação de clãs) até resultarem no que Hegel denomina de “sociedade natural”: membros ligados simplesmente pelo amor, afeto e confiança.  Assim, o afeto passou a ser o motivo socialmente aceito como base de um relacionamento; e a falta dele, o motivo determinante para o rompimento da relação.

Mas e se, ao invés do afeto, o relacionamento se constituir com base primordial no dinheiro ?

Não se negue que no bojo de qualquer relação a questão financeira influencia nas decisões do casal, sendo muitas vezes motivo de brigas e até de separação. (3) Mesmo assim, discutir o assunto dinheiro x afetividade ainda é tabu, o que resulta numa espécie de hipocrisia: não se fala sobre isso, mas não é possível negar sua existência e até mesmo sua importância.

Tem-se hoje a internet como uma grande fonte de relacionamentos. Pessoas passam horas conectadas e através de sites buscam criar vínculos – seja para ampliar os contatos profissionais, para encontrar internautas com mesmos gostos musicais, discutir filosofia e política ou ainda descobrir o “amor de sua vida”.

Entre tantas opções de redes sociais cujo objetivo é unir pessoas, surgiu recentemente no Brasil um site que funciona como uma agência de encontros, um portal de relacionamentos cujos clientes (homens ou mulheres mais velhos e endinheirados) buscam jovens bonitos e ambiciosos que querem apoio financeiro e “mimos” de  generosos “patrocinadores”. A ideia parece absurda ? Bem-vindo ao mundo “sugar” !

A palavra “sugar” além de representar os doces, chocolates, diamantes e carros presenteados, também é usada como forma de tratamento amoroso, algo como “benzinho”, “amorzinho”. Define ainda – utilizando-se das expressões encontradas nos próprios sites que ofertam os encontros – “uma relação emocional de carinho, mutuamente respeitosa e gratificante; uma relação que pode ou não envolver a intimidade física, mas deve ter química e intimidade emocional em primeiro lugar. A necessidade financeira ou desejo, embora faça parte do acordo, não deve ser o mais importante”.

Assim, os “Sugar Daddies” são homens mais velhos e bem sucedidos financeiramente; “Sugar Babies” são mulheres jovens e atraentes; “Sugar Mommies” são mulheres maduras, independentes e abastadas e os “Trophy Boys” são rapazes jovens e bonitos. O objetivo do site é, então, “fomentar relacionamentos honestos e transparentes sobre todos os assuntos, inclusive finanças, onde expectativas são claramente alinhadas desde o começo”. (4)

No regulamento dos sites, consta que os participantes devem ser extremamente autênticos, podem e devem falar sobre suas pretensões de maneira clara e objetiva, facilitando assim a conexão com as pessoas certas.

Os “patrocinadores” informam, além de dados básicos como idade, estado civil, profissão, altura e peso, sua renda mensal, seu patrimônio (alguns sites exigem comprovação) e quanto pretendem gastar com o/a patrocinado/a. Os casados são os preferidos das “sugar babies”, porque não se tornam grudentos. Os que prometem ajuda profissional também – podem encaminhar seu currículo aos amigos ou financiar faculdades e cursos extras. No mundo “sugar”, os patrocinadores são classificados de acordo com os benefícios que apresentam: “clássico” é aquele que paga bem mas não quer se envolver com os sonhos da parceira; “viajante” é aquele que precisa e paga pela companhia durante suas viagens de turismo ou negócios; “exibicionista” é o que deseja uma linda mulher apenas para acompanha-lo em eventos sociais ou de trabalho (às vezes nem cogita o sexo) e o “chefe” é o que paga para ter uma mulher consigo durante o horário de expediente.

Já as “sugar babies” são jovens bonitas e ambiciosas que anseiam por cuidado e apoio financeiro de um generoso patrocinador para realizar suas próprias metas (comprar um carro novo, terminar a faculdade, fazer um curso no exterior ou até mesmo adquirir joias, viagens, cirurgias plástocas e presentes caros). Além dos dados básicos, a candidata deve deixar claro no site o quanto deseja receber em mesadas, mimos, jantares, viagens … As “babies” devem ainda se dispor a atender exigências específicas como “estar sempre maquiada e penteada, estar pronta para rir das piadas do “daddie”, jamais se queixar da vida, fazer sexo como e quantas vezes ele quiser, nunca cobrar afeto e jamais pedir que ele se separe da família”, entre outros.

Embora em menor número, amplia-se a criação de perfis de “Sugar Mommies”: mulheres maduras, independentes emocional e financeiramente e que querem rapazes jovens para “mimar”, construindo assim um relacionamento com “cartas na mesa desde o início”. Muitas delas já foram frequentadoras assíduas dos sites tradicionais de relacionamento e se decepcionaram com a falta de franqueza em relação às expectativas. Não buscam um romance idealizado, mas também não querem um contrato de negócios. Dispõe-se a presentear o escolhido, proporcionar jantares, viagens, cursos de idiomas ou especialização em troca de paixão, aventura e um vínculo “eterno enquanto dure”.  (5)

Os sites então, munidos das informações dos candidatos e dos objetivos pessoais, cruzam os dados e indicam quais perfis têm mais probabilidade de afinidade.

Embora recente no Brasil, este tipo de site promovedor de encontros já existe nos EUA há mais de dez anos. O pioneiro “seekingarrangement.com” foi criado em 2006 por Brandon Wade a partir de uma história pessoal: ao promover a implementação de um site de encontros de executivos com propostas de trabalho em Kiev, encontrou sua esposa jovem e bonita que se dispôs a cuidar dele em troca do green card, casa, comida e curso de inglês.

Em grandes capitais estrangeiras, donos de casas de prostituição de luxo convencionais fecham as portas e resolvem investir nesses sites: além de menos despesas, o novo negócio os livra de possível processo por exploração da prostituição. Nos Estados Unidos, onde prostituição é crime, a justiça nunca conseguiu encontrar um meio legal de proibir o funcionamento dos sites.

Questionado sobre o possível favorecimento da prostituição, o executivo responsável pelo site no Brasil é contundente ao afirmar que são situações completamente diferentes. As relações “sugar” não condicionam o envolvimento sexual, que pode ser facultativo, mas nunca obrigatório e sempre desejado por ambos. Justifica ainda que muitos dos patrocinadores desejam apenas companhias para viagens, festas, restaurantes e partilhar bons momentos, sendo o sexo decorrência ou não da afinidade que se criar entre o casal.

Para efeitos criminais o favorecimento à prostituição está previsto no art. 228 do Código Penal que, com a alteração da Lei nº 12.015/09, define a conduta de quem “induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone”, com penas de reclusão que variam de 02 a 10 anos. O termo “prostituição” para efeitos criminais define o comércio habitual do próprio corpo, para satisfação sexual de indeterminado número de pessoas.

Como no site a oferta de sexo não fica explícita, entendo que não existe forma legal de provar o incentivo à prostituição, motivo pelo qual a conduta dos criadores e mantenedores dos sites não pode ser considerada ilegal. No Brasil a prostituição consentida e praticada por maiores de idade não é crime, não sendo também puníveis as condutas dos patrocinadores e dos patrocinados que se inscrevem nesses sites.

Mas tal conduta é moral ? O dinheiro (ou falta dele) pode ser definidor do par amoroso a ser escolhido ? Relacionar-se com alguém por dinheiro é prostituição ?

Não se negue que vários são os fatores que levam as pessoas a escolher seus parceiros de vida. Excetuando as crenças metafísicas de quem quer a “alma gêmea”, quase todos buscam nas pessoas com quem se relacionam traços de personalidade, modos de vida, projetos e valores que condizem com os seus próprios.

Visto de fora, não se pode negar que muitas pessoas já selecionam o par amoroso pelo dinheiro, sem a ideia de um site que apenas facilita. Estratégias de “coachings” casamenteiros se tornam cada dia mais populares entre mulheres interessadas em se tornar esposas em curto prazo de tempo. Entre os conselhos do “coach” mais famoso do Brasil, o principal é “não perder tempo com o homem errado”. Claro que ele não fala “apenas” de dinheiro, mas diz que o homem certo é aquele que também está financeiramente bem resolvido.

Filósofos como Simone de Beauvoir e Bertrand Russel já correlacionaram há décadas atrás o sexo e o dinheiro, mas – contrariamente ao que o leitor certamente imaginou – não como prostituição e sim como casamento. (6)

Lançada luz sobre o assunto e ressalvadas minhas convicções pessoais, deixo ao leitor suas próprias conclusões.

 

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