Débora Spagnol

debora 2A intenção de definir uma data para comemorar as lutas femininas por melhores condições de vida e trabalho e garantir o direito ao voto surgiu no início do século XX e inicialmente as celebrações aconteciam em diferentes dias de fevereiro e março, dependendo do país em que eram comemoradas. A data de 08 de março, porém, foi definida como Dia Internacional da Mulher em 1917 pelo movimento internacional socialista, já que foi nesse dia que ocorreu a mais violenta repressão de trabalhadoras russas que protestavam também contra a entrada da Rússia czarista na Primeira Guerra Mundial. Oficialmente, a ONU adotou as comemorações relativas ao Dia Internacional da Mulher somente em 1977. (1)

Passados quase 100 anos da definição de uma data para marcar a luta da mulher por seus direitos e ao espaço digno na sociedade, alguns avanços aconteceram. Mas ainda há muito a ser feito, já que continuam preocupantes as questões de violência: segundo o CNJ, no ano de 2016 cerca de 1,2 milhão de processos que tratam de agressões contra a mulher tramitaram na justiça, sendo que para cada 100 brasileiras há ao menos um processo referente à violência doméstica em curso. Desse total, 13.500 processos referiam-se ao feminicídio (perseguição e morte intencional de pessoas do sexo feminino), sendo registrados 2.904 casos novos, em 2016, na Justiça Estadual no país. (2)

No mercado de trabalho a realidade também não é muito animadora: embora as mulheres se equiparem aos homens no quesito nível de formação superior, segundo pesquisas de 2016, apenas 37,8% dos cargos de gerência eram por elas ocupados. Uma queda de 1,7% pontos percentuais em relação a 2011. (3) E embora sejam mais preparadas, as mulheres ainda recebem, em funções idênticas às desempenhadas pelos homens, 30% a menos de salário. (4)

Mas algumas conquistas – especialmente na seara jurídica, que é a intenção do presente artigo – foram importantes e já produzem frutos no sentido de diminuir a desigualdade e garantir direitos que assegurem às mulheres condições justas e dignas de trabalho e sobrevivência. (5)

E o mês de março de 2018 está sendo produtivo neste sentido: no Senado Federal, foram impulsionados três projetos com matérias relacionadas às mulheres e que integraram a chamada “pauta feminina”. Já a criminalização da “importunação sexual” foi aprovada pela Câmara dos Deputados.

Um deles é o Projeto de Lei da Câmara nº 4/2016, que torna crime o descumprimento das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). Ou seja, a partir da sanção do presidente, homens que violarem a proibição judicial de se aproximar das vítimas no caso de violência doméstica e familiar serão punidos com penas de detenção de três meses a dois anos. O projeto supre, assim, uma lacuna importante deixada pela lei original, que simplesmente não previa qualquer punição ao infrator que desobedecesse à ordem judicial protetiva. (6)

Já o Projeto de Lei da Câmara nº 186/2017 delega à Polícia Federal a atribuição de investigar crimes associados à divulgação de conteúdo misógino (que propagam aversão ou ódio às mulheres) pela internet. A proposta altera a Lei nº 10.446/2002, que prevê a atuação da Polícia Federal (7), objetivando coibir a ocorrência de casos violentos como o ocorrido com a blogueira Lola Aronovich, que foi vítima de ataques e ameaças on line, sem que fosse possível identificar os responsáveis. (8) O principal argumento em favor do projeto é o de que somente a Polícia Federal possui condições materiais e de inteligência para coibir e investigar os crimes cometidos na internet – os cybercrimes.

O terceiro projeto aprovado no Senado refere-se à vingança pornográfica ou revenge porn. O Projeto de Lei da Câmara nº 18/2017 busca combater a exposição pública da intimidade sexual das mulheres (fotos, vídeos, áudios), tornando crime a conduta de oferecer, trocar, distribuir ou exibir – por qualquer meio audiovisual – conteúdos com cenas de nudez ou ato sexual de caráter íntimo sem a autorização dos participantes. (9) Uma alteração importante se refere à autoria: passam a ser denunciados não somente a pessoa envolvida com a mulher (geralmente ex-cônjuges, ex-parceiros ou ex-namorados), mas também toda a rede de contatos que receber o conteúdo e compartilhar com os amigos. Além disso, o projeto estipula penas também para o simples registro não autorizado (mesmo sem divulgação) da intimidade sexual das mulheres. O projeto altera, assim, alguns artigos da Lei Maria da Penha e do Código Penal, prevendo penas de reclusão de dois a quatro anos e multa.

Pela Câmara dos Deputados foi aprovado o Projeto de Lei nº 5.452/2016, que tipifica o crime de divulgação de cenas de estupro, criminaliza a importunação sexual, aumenta a pena prevista para estupro coletivo e cria o crime de induzir ou instigar alguém a praticar crime contra a dignidade sexual. Pelo projeto – que não se restringe às vítimas do sexo feminino –  poderá ser apenado com reclusão de 1 a 5 anos, se o fato não constituir crime mais grave, aquele que oferecer, vender ou divulgar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outro tipo de registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável. Incorre no mesmo crime quem divulgar vídeo com apologia ou que induza a prática de estupro ou, sem o consentimento da vítima, com cena de sexo, nudez ou pornografia. O projeto prevê o agravamento das penas nos crimes contra a liberdade sexual e estupro de vulnerável. No caso do estupro coletivo, por exemplo, ele passa a ser punido com 1/3 a 2/3 a mais da pena. Atualmente é de 1/4. Igual aumento é estipulado para estupro “corretivo”, caracterizado como aquele feito para controlar o comportamento social ou sexual da vítima. A pena será aumentada de 1/3 se o crime for cometido em local público, aberto ao público ou com grande aglomeração de pessoas ou em meio de transporte público, durante a noite em lugar ermo, com o emprego de arma, ou por qualquer meio que dificulte a possibilidade de defesa da vítima.

O projeto acima referido revogou o artigo da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/41) sobre importunar alguém, em lugar público, de modo ofensivo ao pudor, cuja pena é apenas pecuniária, tipificando o crime de importunação sexual, que pode ser aplicado aos casos de abusos cometidos em transporte público. Esse crime é definido como a prática, na presença de alguém e sem sua anuência, de ato libidinoso com o objetivo de satisfazer lascívia própria ou de outro. A pena é de reclusão de 1 a 5 anos se o ato não constitui crime mais grave.

Determina ainda a aplicação de pena de reclusão de 08 a 15 anos em casos de estupro de vulnerável – mesmo que a vítima tenha consentido ou mantido relação sexual com o autor anteriormente.

Por fim, restam criminalizadas, com penas de 1 a 3 anos de detenção, as condutas consistentes em induzir ou instigar alguém a praticar crime contra a dignidade sexual, sofrendo as mesmas penas aquele que publicamente incita ou faz apologia ao referido crime. Estariam enquadradas nessa conduta, por exemplo, usuários de sites que ensinam como estuprar e os melhores locais para encontrar as vítimas.

Os projetos aprovados ainda dependem de nova votação pelos órgãos competentes ou sanção presidencial. Sua aprovação e posterior implementação – espera-se – visam alcançar um ponto de equilíbrio punitivo, de sorte a não deixar impune quem pratica esse tipo de crime, garantindo às vítimas um certo acalanto diante das injustiças que sofreram.

 

REFERÊNCIAS:

1 – Wikipédia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_Internacional_da_Mulher. Acesso em março/2018.

2 – http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/85640-cnj-publica-dados-sobre-violencia-contra-a-mulher-no-judiciario. Acesso em março/2018.

3 – https://extra.globo.com/noticias/economia/dia-da-mulher-luta-silenciosa-no-mercado-de-trabalho-22466487.html. Acesso em março/2018.

4 – http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/participacao-feminina-no-mercado-trabalho.htm. Acesso em março/2018.

5 – É importante, aqui, destacar alguns retrocessos legislativos. A reforma trabalhista (Lei nº 13.467/17), por exemplo, retroagiu ao permitir que gestantes e lactantes trabalhem em ambientes insalubres. Já a proposta de reforma da Previdência (PEC 287/2016) eleva para 62 anos a idade mínima para a aposentadoria das mulheres.

6 – O texto completo pode ser acessado através do link: https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=125318. E sua tramitação, no link: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/125318. Acesso em março/2018.

7 – Mais informações no link: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/132011. Acesso em março/2018.

8 – http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2015/01/acao-na-internet-denuncia-ameacas-contra-blogueira-feminista-4032.html. Acesso em março/2018.

9 – O texto completo pode ser acessado através do link: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/128223. Acesso em março/2018. Como o texto sofreu alterações ao que foi aprovado na Câmara, ele precisa passar por nova análise dos deputados antes de entrar em vigor.

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/03/pena-maior-para-estupro-coletivo-passa-na-camara-e-segue-para-o-senado.shtml