Débora Spagnol

debbieDinâmico por natureza, o direito enquanto conjunto de leis é o reflexo necessário da evolução das relações humanas e sociais.

Nosso Código Civil de 1916 previa o casamento civil como única possibilidade de constituição da família, limitador que aos poucos foi flexibilizado pelos doutrinadores e pelas decisões judiciais, quando se passou a admitir a união estável. A Constituição de 1988 reconheceu expressamente a união estável como família, além do núcleo formado por apenas um dos genitores e seus descendentes.

Mais recentemente, houve inovação ao se tornar possível o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo (homoafetiva), que passaram a ter as mesmas regras e consequências das uniões heterossexuais.

Mas há algum tempo os meios de comunicação mostraram pessoas envolvidas em um novo tipo de união: algumas entre dois homens e uma mulher, outras em que os parceiros são duas mulheres e um homem, outras ainda com mais de três pessoas.

Esse “inovador” e polêmico padrão afetivo é conhecido por termos variados como “relação múltipla ou conjunta”, “trisal”, “poliamorosa” e “poliafetiva”.

De forma simples, se definem como poliafetivas as uniões conjugais formadas por mais de duas pessoas que convivem em interação e reciprocidade afetiva e sexual entre si. Suas principais características são a consensualidade, a igualdade e a simultaneidade, sendo que os integrantes desse grupo familiar não consideram a monogamia como princípio e necessidade do relacionamento, estabelecendo seus códigos próprios de lealdade e respeito.

Respeitados os céticos e descrentes, não se desconhece que a afetividade hoje é o principal motivo a justificar os relacionamentos. Mas a entidade familiar não se baseia em qualquer afeto, mas sim naquele afeto, naquela vontade de constituir família: compartilhar a mesma vida, dividir as tristezas e as alegrias, os fracassos e os sucessos, enfim: formar um novo organismo distinto de suas individualidades.

Por isso não se pode dar preferência a qualquer tipo de família: todas devem ser igualmente protegidas pelas leis e pela sociedade, já que são várias as formas de amar e cada um busca a felicidade (direito constitucional, como já se abordou nessa coluna), da forma que melhor de convém.

Mesmo assim, a aceitação das famílias poliafetivas divide tanto os cidadãos como os doutrinadores (pensadores do direito). Alguns consideram que a validação das famílias plurais seria uma forma de legalizar a formação poligâmica, o que as impede de gerar qualquer efeito no direito de família. Já os defensores desse novo arranjo familiar pregam que a monogamia não é princípio constitucional, mas sim um preceito cultural, não existindo em nossa legislação qualquer proibição nesses casos, já que apenas a bigamia é considerada crime.

Não se deve confundir (embora isso seja comum) a família poliafetiva com a família simultânea/paralela. O que as diferencia são justamente os fatores relacionados à confiança e lealdade: enquanto no poliamorismo todos consentem, interagem, relacionam-se entre si e se respeitam, a existência de famílias paralelas geralmente é desconhecida do núcleo principal (casal e filhos), rompendo-se assim com o pacto inicial proposto entre os componentes.

Embora os avanços obtidos no direito das famílias, forçoso é concluir que ainda temos inúmeros valores e conceitos a discutir com relação a este assunto, principalmente se considerarmos que, para além dos interesses puramente materiais e nas palavras da Ministra Carmen Lucia (RE 397762): “O coração é terra que ninguém pisa. Sim como diria Guimarães Rosa: coração tudo cabe, é como o sertão”.