Naomar Almeida Filho

 naomarNo fim do mês de setembro de 2017, pedi exoneração do cargo de Reitor pro-tempore da Universidade Federal do Sul da Bahia. Escrevi uma Carta Aberta à Comunidade, explicando os motivos para esse ato.

Denunciei que o fazia para superar um golpe político interno, resultante de boicotes, sabotagem, intrigas e manobras insidiosas, em suma: uma conspiração engendrada por membros da nossa própria equipe de gestão. Expus com clareza que o golpe se manifestava na forma de uma convocação ilegal e ilegítima de eleições para a Reitoria. Ilegal porque desrespeitava normas institucionais vigentes para escolha de dirigentes, ilegítimo porque estava sendo conduzido por uma parte interessada em assumir o poder, com cartas marcadas e acordos prévios.

O golpe não era contra mim, mas sim contra o Projeto da UFSB. Afastar-me da Reitoria dessa maneira não seria apenas um movimento de exclusão pessoal, mas implicava a remoção de um dirigente representativo de um dado modelo de universidade, comprometido com um ideário afirmativo de territorialidade, compromisso político e integração social.

A repercussão da Carta Aberta foi extraordinária. Minha página do Facebook registrou nessa semana quase 135 mil alcances e mais de 700 compartilhamentos. A caixa de mensagens no meu e-mail ficou lotada. Amigos e amigas, colegas, companheiros de militância, importantes lideranças do meio acadêmico e científico nacional e internacional, pessoas que admiro, outras pessoas que não conheço pessoalmente, me enviaram mensagens de apoio, solidariedade e encorajamento. Essa resposta geral representa para mim grande incentivo, mas também significa uma oportunidade para repensar posições coletivas, refletir sobre a união necessária para superar as ameaças e retrocessos desse contexto político adverso.

Neste conjunto de anotações, apresentadas no formato de crônicas, pretendo detalhar pontos daquela carta, a partir de registros, documentos e notas quase-etnográficas. Trata-se de movimentos preparatórios para um texto analítico desse processo que tenho a intenção de elaborar no futuro, com o devido e esperado distanciamento dos acontecimentos. Devo expor momentos cruciais, recorrendo ao testemunho de colaboradores e companheiros. Muitos desses momentos foram públicos, tendo sido gravados, registrados em atas e documentos oficiais, porém alguns fazem parte da memória coletiva e infelizmente não sofreram registro sistemático. Outros episódios terão ocorrido em situação de maior privacidade, com a presença dos sujeitos mais de perto envolvidos na questão. Em todos esses pontos, buscarei parcimônia no relato e tentarei ao máximo exercer uma atitude analítico-crítica, aberta ao contraditório dos implicados.

Espero que essas anotações sejam úteis para informar aos/às interessados/as, particularmente aqueles que chegaram mais recentemente na instituição, sobre acontecimentos fundantes da história da UFSB. Realmente, a maioria dos docentes e servidores técnico-administrativos não estavam entre nós nos anos iniciais; mais de dois terços dos nossos estudantes ingressaram na UFSB depois de 2015.

As crônicas do golpe não seguirão uma ordem cronológica, até porque indícios, nexos, motivações, objetivos e registros de processos complexos, muitas vezes paralelos, ambíguos e contraditórios não podem ser entendidos por meio de aproximação linear, indicadora de um simplismo analítico a ser evitado. Pelo contrário, tentarei elaborá-las tomando como referência processos críticos e momentos de ruptura, numa perspectiva mais argumentativa que narrativa. Evidentemente limitado pelo meu ponto de vista, espero poder esclarecer eventuais dúvidas, explicar contextos e motivos de algumas decisões, além de compartilhar análises e interpretações, visando à compreensão de fatos, eventos e processos.

Eis a lista de crônicas que me proponho a compartilhar com leitoras/es desta página (algumas alterações poderão ser feitas na ordem e conteúdo dessa lista):
1 – Confiança
2 – Compromisso
3 – Concepção
4 – Apoio
5 – Construção
6 – Bloqueio
7 – Crise
8 – Território
9 – Boicote
10 – Diálogo
11 – Sabotagem
12 – Corrupção
13 – Conspiração
14 – Cisão
15 – Recuperação
16 – Traição
17 – Golpe
18 – Luta
19 – Esperança

As crônicas que serão doravante postadas se configuram como atos de resistência, críticos, firmes e leais, às vezes doloridos e decepcionados, mas sempre esperançosos. Em diferentes momentos, incluirei comentários e reflexões pessoais sobre elementos pontuais desse traiçoeiro processo político, infelizmente demarcador de uma triste conjuntura. Além de buscar contribuir para uma história institucional, ao escrever essas notas manifesto um sentimento de responsabilidade, preocupado com o futuro de nosso projeto político-pedagógico na possibilidade, espero que remota, de que os rumos da instituição passem a ser ditados por dirigentes pouco comprometidos com uma perspectiva de referência social radical para a universidade brasileira.