Débora Spagnol

 

debora 2Nos últimos dias, foi notícia da mídia a dramática situação vivenciada por Andreas von Richthofen – viciado em drogas, foi encontrado (sujo, machucado e vestindo trapos) tentando pular o muro de uma casa que alegou pertencer a um parente. Andreas ficou órfão aos 15 anos, quando sua irmã Suzane matou, com auxílio de mais duas pessoas, seus próprios pais. Como único objeto pessoal, Andreas carregava consigo um pequeno brasão da família e, questionado, afirmou ter muito medo de morrer. (1)

Condenada a 39 anos de prisão, a promotoria que atuou no caso suspeitava que a motivação de Suzane tenha sido unicamente patrimonial, já que visava herdar a herança dos pais, hoje estimada em 10 milhões. Porém, em sentença proferida em março de 2015, ela foi excluída da herança por ter sido considerada “indigna”, sendo então os bens adjudicados em sua totalidade pelo irmão Andreas. (2)

Mas o que significa a exclusão por “indignidade” ?

Inicialmente é importante esclarecer que a herança se abre com o falecimento do proprietário dos bens, surgindo assim o direito ao legado e identificando-se os sucessores legítimos ou testamentários – a condição pessoal que permite ao pretendente buscar sua parte no patrimônio deixado.

Os herdeiros são divididos em: legítimos (aqueles definidos por lei: descendentes, ascendentes, cônjuge sobrevivente e colaterais); necessários (qualidade dada a somente alguns dos parentes próximos ao “de cujus”: descendentes, ascendentes e cônjuges); testamentários (aqueles que têm seu quinhão definido através de testamento pelo autor da herança) e legatários (aqueles que recebem uma coisa certa, um “corpus” certo e determinado.

Há porém atos praticados pelos herdeiros com a finalidade de manipular o autor da herança, que constituem faltas graves, delituosos ou atos reprováveis (para a sociedade ou para o juiz) contra o proprietário do legado ou seus familiares. Tais atos, assim, quebram o elo de afeição que deve permear o direito de herança e tornam os herdeiros “indignos”.

Assim, a indignidade para efeitos de herança pode ser definida como uma pena civil em razão cometimento de falta grave, ou seja: é questão moral e lógica de que seja impedido de se beneficiar da herança aquele herdeiro que praticar atos criminosos ou reprováveis justamente contra o autor da herança.

Os atos que podem causar a exclusão dos herdeiros estão previstas no art. 1.814 do Código Civil e são as seguintes: a) se houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa, contra a pessoa que a sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; b) se houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; c) se por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

A indignidade de herdeiro pode ser pleiteada pelos interessados na sucessão (herdeiros legítimos ou testamentários), mediante a instauração de processo próprio, na vara de sucessões, ou, na falta dessa, na vara cível. Por ser matéria de alta indagação, não se faz possível sua discussão nos autos do processo de inventário. O prazo é decadencial: o processo deverá ser instaurado em até quatro anos, contados da abertura da sucessão. O herdeiro somente será considerado indigno por sentença transitado em julgado, portanto: da qual não caiba recurso.

Só é punível pela indignidade de herança o homicídio doloso (ou seja: com intenção de matar) ou sua tentativa, pouco importando a motivação do crime. Em casos de absolvição do acusado, por uma excludente de criminalidade, não será possível questionar a indignidade em ação cível (art. 935 do Código Civil), porque a sentença criminal produz efeitos de coisa julgada, comunicando-se com o resultado no cível.

Os homicídios culposos (aqueles cometidos por imprudência, negligência ou imperícia – como os de trânsito, por exemplo), não ensejam a indignidade de herança.

A denunciação caluniosa do autor da herança, seu cônjuge ou companheiro, cometida pelo herdeiro e que podem resultar em indignidade do herdeiro está prevista no art. 399 do Código Penal. Diz respeito à denúncia no juízo criminal, sendo a “instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente”.

Já os crimes contra a honra são a calúnia, injúria e difamação, tipificados nos artigos 138,139 e 140 do Código Penal e deverão ter sido praticados também contra o autor da herança. (3) Nesses casos, o reconhecimento da indignidade somente se dará depois da condenação do herdeiro via processo criminal.

Também serão declarados indignos os herdeiros que atentarem contra a liberdade do autor da herança, utilizando-se de violência (física, moral ou psicológica) ou meios fraudulentos para impedir que o mesmo disponha livremente de seus bens. Assim, são punidos com a exclusão da herança por indignidade o herdeiro que, fraudulenta, dolosa ou coativamente, praticar atos, omissões, corrupção, alterações, falsificações, inutilização, ocultação de bens e documentos do “de cujus”. (4)

A indignidade será declarada por sentença e seus efeitos jurídicos serão: a) a exclusão do falecido do direito de herança, sendo então substituído por seus próprios herdeiros (como se o próprio indigno fosse falecido); b) o indigno é privado do usufruto e da administração dos bens de seus filhos e de eventuais direitos de sucessão; c) retroação dos efeitos da indignidade após o trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvados eventuais direitos de terceiros de boa-fé.

A declaração de indignidade, porém, não é absoluta ou irrevogável. O indigno pode ser reabilitado, desde que expressamente perdoado pelo ofendido através de ato autêntico ou mediante testamento em que o falecido tenha reconhecido o perdão.

 

REFERÊNCIAS:

1 – http://veja.abril.com.br/brasil/irmao-de-suzane-von-richthofen-e-internado-apos-surto/. Acesso em maio/2017.

2 – http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/03/justica-oficializ. a-exclusao-de-suzane-von-richthofen-da-heranca-dos-pais.html. Acesso em maio/2017.

3 – Sobre o assunto, veja artigo da autora publicado no link:  http://femininoealem.com.br/22389/crimes-contra-a-honra/ Acesso em maio/2017.

4 – FERREIRA, Gabriela Nascimento. Causas de exclusão da sucessão por indignidade. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8692/Causas-de-exclusao-da-sucessao-por-indignidade. Acesso em maio/2017.