Débora Spagnol

debora 2Há algum tempo o ator Alexandre Borges viu arranhada sua imagem perante as opiniões mais conservadoras em razão da publicação de um vídeo gravado sem seu conhecimento e autorização. No vídeo, pode-se perceber o ator na presença de dois travestis, sendo um deles o autor da gravação. O ator declarou publicamente que não pretende processar o responsável pela gravação do vídeo e sua divulgação nas redes sociais. Mas a exposição indevida da imagem é crime e gera à pessoa exposta direito à indenização, havendo ou não danos ou prejuízos materiais ou imateriais à vítima.

Na forma universal, o direito de imagem nasceu, mesmo que implicitamente, na “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, aprovada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Foi reforçado através do “Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos” de 1966, que consagrou o direito à liberdade de expressão que se traduz no direito de receber e difundir informação de qualquer natureza, ressalvado o respeito à reputação das demais pessoas.

Na legislação brasileira, o direito de imagem sofreu proteção implícita antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, já que nossos tribunais condenavam pecuniariamente os casos de violação com interpretação análoga de dispositivos do antigo Código Civil. Uma das decisões precursoras foi proferida em 1928 tendo como vítima a Miss Brasil de 1922 – Maria José (Zezé) Leone, que teve sua imagem captada, sem seu consentimento, utilizada em um filme. (1)

Mas foi a Carta Magna de 1988 que ao prever os direitos e garantias fundamentais colocou o direito de imagem como independente e autônomo, estabelecendo a indenização por danos morais e materiais no caso de sua violação ou utilização indevida.(2)

Além da CF, o direito à proteção de imagem também está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90 – (artigos 17, 240 e 241), no Código Civil (artigos 12 e 20) e na Lei dos Direitos Autorais – Lei 9.610/98. Esta última protege também criações intelectuais, fotografias, imagens e textos, sendo a utilização condicionada à autorização dos respectivos autores.

O direito de imagem é considerado como direito de personalidade autônomo.  e se  refere à projeção da personalidade física da pessoa: seu corpo, atitudes, sorriso, vestimenta, traços fisionômicos, etc.

Mas para que se compreenda o conceito jurídico de “imagem”, é importante dividi-lo em duas vertentes: a imagem-retrato, que consiste na proteção que se dá à imagem física da pessoa, desde que identificáveis (corpo, atitudes, sorriso, vestimenta, traços fisionômicos). Diz respeito também ao contexto de sua inserção. Exemplo: uma pessoa extremamente religiosa é fotografada ao lado de uma casa de prostituição. E a imagem-atributo, que de forma simples pode ser definida como a imagem construída pela pessoa dentro do seu convívio social através dos seus atos e comportamentos. Ambas são autônomas e independentes.

O direito de imagem, por sua vez, é irrenunciável, inalienável, intransmissível, mas disponível. Ou seja: a imagem de alguém jamais poderá ser vendida, renunciada ou cedida de forma definitiva – mas poderá ser licenciada por seu titular ou herdeiros a terceiros. Exemplo disso é quando alguém cede sua imagem de forma temporária para um trabalho publicitário (modelos, atores e atletas fazem isso com frequência).

Por consequência, a violação à imagem da pessoa humana se traduz em todo e qualquer ato abusivo, desde a captação sem autorização (fotografia ou filme, por exemplo), até a sua forma de uso.  Assim, se alguém utilizar a imagem de outrem de forma a atingir sua honra, a sua respeitabilidade, o seu prestígio social, ou com a intenção de lucro, restará violado o direito de imagem, sujeitando o violador ao pagamento de indenização.

A utilização indevida de imagem para fins econômicos ou comerciais não depende de comprovação do prejuízo, ou seja: a mera divulgação sem autorização da vítima causa o dever de indenizar. (3) Além disso, outros direitos podem ser feridos quando se utilizada de uma imagem sem autorização, como a privacidade (quando a imagem for captada na residência de alguém, por exemplo).

Mas quando a utilização for para outros fins que não a obtenção de benefícios econômicos, há que ser comprovado o prejuízo real. Em outras palavras: não basta a simples exposição de uma fotografia comum (sem nudez, por exemplo) da pessoa em meio social. Para que gere direito à indenização é imprescindível que referida exposição possa resultar em consequências negativas a quem foi exposto. E elas podem ser, naturalmente, de ordem moral ou material.

Como não existem direitos absolutos, o direito de imagem também sofre limitações. Elas estão previstas no Código Civil e se referem a casos em que se deve priorizar a administração da justiça e a manutenção da ordem pública. Assim, nessas duas situações específicas a proteção ao direito de imagem é relativizada.

Em razão dessa flexibilidade, as pessoas consideradas notórias porque desempenham relevante papel nos meios artístico, cultural ou científico não podem se opor à divulgação de sua imagem. E tal se dá em razão da legítima curiosidade da sociedade que essas pessoas despertam. Porém, em razão do princípio da proporcionalidade, na realidade concreta o juiz deverá ter o indispensável bom-senso ao dizer qual direito deve ser priorizado.

Da mesma forma se dá com pessoas públicas (políticos, representantes sociais) e cuja atividade naturalmente deve estar aberta à fiscalização direta da sociedade. Nesses casos, o direito de imagem será sopesado com o direito à liberdade de informação que a sociedade merece em relação aos atos praticados pelos representantes do Estado.

Às pessoas não notórias (cidadãos normais), o direito de imagem pode ser relativizado quando envolvidas em casos de fatos notórios diante da sociedade, quando poderão também ter sua imagem divulgada sem prévio consentimento, em nome do direito de informação.

Embora o direito de imagem expire com a morte da pessoa, eventuais lesões “post mortem” podem ensejar a indenização por danos materiais e morais em favor dos sucessores legais. Por isso é importante a preservação da imagem do cidadão mesmo após sua morte, não só por respeito à memória de quem faleceu, mas também pelo desconforto e prejuízo que as violações podem causar ao cônjuge sobrevivente, aos ascendentes ou descendentes.

Retornando ao mundo dos famosos, além do ator Alexandre Borges outras celebridades já se viram em situações constrangedoras em razão de divulgação de vídeos ou fotografias sem autorização – mas que optaram por buscar judicialmente a preservação de seu direito e o devido ressarcimento: a atriz Daniella Cicarelli sagrou-se vencedora ao ajuizar demanda em razão da divulgação de um vídeo que retratava momentos íntimos entre ele e seu namorado (4); Maitê Proença obteve êxito ao proibir a utilização por um jornal de grande circulação de uma foto previamente publicada e licenciada pela revista Playboy; Danielle Winits garantiu no STJ indenização da “Revista Isto É” por publicar uma imagem em que aparece nua em minissérie.

Proteger o direito de imagem, conclui-se, é garantir a própria dignidade da pessoa humana, o princípio motriz de toda a ordem constitucional.

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1 – A decisão realçou cinco aspectos importantes do direito à própria imagem: a)  colocou o problema no terreno do direito da personalidade; b) reconheceu a tutela dos próprios traços físicos originais do sujeito; c) captação de imagem, com extração de cópias que foram negociadas, sem o consentimento da fotografada; d) estendeu a tutela jurídica à imagem dinâmica, típica do cinema (movimento e gestos); e) sentenciou de forma inédita, com fundamento no anterior Código Civil. Fonte: “A proteção ao Direito à Imagem e a Constituição Federal”, de Domingos Franciulli Neto. Disponível em:  http://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/informativo/article/view/442Acesso em outubro/2016.

2 – Art. 5º, X – “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

3 -STJ – Súmula 403 – “Independe de prova ou prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.

4 – Da decisão, extrai-se o seguinte: “(…) De todas as manifestações que foram emitidas em jornais e revistas, com o sensacionalismo imprudente dos jejunos do direito, não há uma voz que aponte uma boa razão para que a intimidade do casal permaneça devassada, como foi, até porque são cenas delituosas. (…) Não é, que fique bem claro, preocupação com essa ou outra pessoa, notória ou simples, mas, sim, defesa de uma estrutura da sociedade, na medida em que a invasão de predicamentos íntimos constitui assunto que preocupa a todos (…)” – TJSP – Apelação Cível nº 556.090.4/4-00.

Referências:

AQUINO COSTA, Natasha Cintia de. DIREITO À PRÓPRIA IMAGEM E SUAS LIMITAÇÕES NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/V2/dhall.asp?id_dh=17722. Acesso em outubro/2016

– ARRUDA LEME, Fábio Ferraz de. O DIREITO DE IMAGEM E SUAS LIMITAÇÕES. Disponível em: https://por-leitores.jusbrasil.com.br/noticias/2995368/o-direito-de-imagem-e-suas-limitacoes. Acesso em outubro/2016.

– SCHNEIDER NUNES, Gustavo Henrique. O DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DIREITO À IMAGEM. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25501/o-direito-a-liberdade-de-expressao-e-o-direito-a-imagem. Acesso em outubro/2016.