Débora Spagnol

 

debora 2O Novo Código de Processo Civil, em vigor desde março deste ano, tornou lei uma conduta que já estava sendo admitida pelo STJ em decisões reiteradas: a possibilidade de inscrição do nome do devedor de alimentos em cadastros de proteção ao crédito.

Tornada lei, agora a negativação é medida automática: basta ao credor requerer ao Juiz e este então determina a inclusão do devedor como mau pagador, o que em tese deve agilizar o recebimento dos créditos pelo alimentado: pesquisas indicam que mais de 65% dos créditos inscritos em cadastros de inadimplentes são recuperados em até três dias úteis.

Não se ignore que o credor já dispõe de várias medidas coercitivas para o recebimento dos valores a que faz jus tais como a prisão civil, o desconto em folha de pagamento e a penhora de bens: todas para atender o caráter de urgência com que se reveste o crédito alimentar e sua relevância social na proteção dos direitos constitucionais da criança e dos adolescentes.

Ocorre que esses meios tradicionais não têm sido suficientes para viabilizar a satisfação dos créditos, surgindo então a negativação como alternativa viável e rápida, mas que logicamente só atingirá a quem tem interesse em manter seu bom nome na praça e satisfazer seu débito.

Mesmo a penhora de bens e a prisão do devedor por vezes deixam de resultar como medidas eficazes de coerção contra o credor: seja por má vontade, completa irresponsabilidade ou mesmo ausência de condições financeiras para o cumprimento do débito. Importa ressaltar que ao devedor, quando efetivamente não dispõe de condições de cumprir os pagamentos estabelecidos, está garantido o direito de rever judicialmente os alimentos através da Ação Revisional de Alimentos (já tratamos do assunto nesta coluna: http://femininoealem.com.br/18843/como-e-quando-pedir-revisao-da-pensao-alimenticia/).

A possibilidade de negativação do devedor de alimentos decorre também do princípio de razoabilidade: não parece coerente que uma dívida junto a uma instituição financeira ou loja de departamentos autorize a inscrição no SPC e o mesmo não possa ocorrer em relação a uma dívida de alimentos, que tem caráter essencialmente prioritário e urgente.

A inscrição do devedor de alimentos em cadastros negativos lhe traz várias consequências, dentre as quais as impossibilidades de obter cartão de crédito e abrir contas correntes; obter licença, permissão, concessão e habilitações que dependam do Governo; exercer cargos eletivos, entre outros.

Pela polêmica, é natural que o tema suscite debates principalmente no que se refere ao segredo de justiça (sigilo que envolve as ações que tratam sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes). Afinal, a inscrição do devedor de alimentos nos órgãos restritivos de crédito violaria a intimidade e privacidade do devedor ?

Entendo que não há violação por dois motivos. Inicialmente porque as informações que constam dos cadastros dos bancos são sucintas: apenas apontam a existência de uma execução em curso contra o devedor. Outro motivo é porque a proteção garantida pelo segredo de justiça não é absoluto, ou seja: diante do confronto entre o direito fundamental do alimentando à vida digna e à sobrevivência e o direito do devedor à intimidade, priorizam-se os interesses do menor.

O argumento de que a negativação do devedor de alimentos nos órgãos de proteção ao crédito dificulta seu ingresso no mercado de trabalho também é frágil, eis que a maioria das empresas sequer consulta o nome do devedor quando da admissão no seu quadro funcional. E mesmo que assim fosse, se efetivamente os empregadores não contratassem pessoas com restrições financeiras, nenhum credor poderia negativar ninguém, independentemente da  origem da dívida, naturalmente não se restringindo às dividas alimentares.

O ser humano é carente por excelência: desde a sua concepção e em razão de sua estrutura e natureza é incapacitado de produzir sua própria subsistência até certo período de sua vida. Daí surge o direito de ser amparado pelos responsáveis, que lhes devem assegurar a subsistência integral até que tal sustento não seja mais necessário. Porém quando as obrigações não são voluntariamente cumpridas cabe à sociedade, através da lei, determinar a melhor forma de coerção ao alimentante – única maneira de obrigá-lo a fazer o que deveria ser espontaneamente feito.