lavagem-do-bomfimLavagem das escadarias, cortejo de oito quilômetros, fitinha amarrada no adro e no braço, banho de água de cheiro e roupa branca. Todas essas características compõem a Festa do Senhor do Bonfim ou Oxalá, para os candomblecistas e umbandistas. Celebrada após o Dia de Reis (06 de janeiro) e encerrada no domingo após a Epifania, a festa acontece há 272 anos e atrai uma multidão de devotos de todas as partes do Brasil e do exterior para celebrar aquele que é a representação de Jesus Cristo.

A devoção ao Senhor do Bonfim começou ainda em Portugal no ano de 1745 quando o capitão Theodózio Rodrigues de Faria, junto com sua tripulação, clamou pela vida durante uma tempestade marítima. Naquele mesmo ano, ao retornar ao Brasil, o capitão trouxe uma réplica da imagem e a colocou na Igreja da Penha, onde permaneceu por nove anos, até uma Capela em sua homenagem ser erguida. Na ocasião a irmandade “Devoção do Senhor do Bonfim” foi fundada. Começava no Brasil a Festa do Senhor do Bonfim.

Até o ano de 1754 a celebração acontecia no domingo de Páscoa, mas a partir de 1913 passou a ser feita no segundo domingo depois do Dia de Reis a pedido dos fidalgos da época, que usavam a região da Cidade Baixa para veranear, segundo conta o Padre Edson da Silva Menezes, que está à frente da Basílica há oito anos.

Em paralelo, no primeiro ano da festa, teve início a tradição da lavagem da Igreja. Mas, de acordo com o historiador e estudioso do tema Francisco Nunes, a partir de 1890 os padres eclesiásticos impossibilitaram a lavagem interna de todos os templos, pois surgiram boatos de que durante o ato os fiéis faziam uso de bebida alcoólica, promoviam sambas e ainda atos libidinosos no interior do santuário. Então a lavagem foi limitada às escadarias da Igreja.

Atualmente, as baianas de acarajé são as responsáveis pela lavagem. Segundo a coordenadora estadual da Associação das Baianas de Acarajé, Angelice Batista, a tradição faz parte da cultura familiar de muitas associadas. “Eu mesma comecei com nove anos. Mas antes de mim tinha minha mãe e minha bisa”, conta.  Ao todo, cerca de mil baianas participam e se dividem para lavar as escadarias, banhar os devotos com água de cheiro e vender acarajé.

Quem tem fé vai a pé

O Cortejo também mudou. No século passado, os devotos saiam do Mercado do Ouro, localizado na Praça Marechal Deodoro, no Comércio. Depois o percurso se alongou, passou a sair da Igreja da Conceição da Praia. Hoje, são oito quilômetros percorridos em sinal de fé.

A publicitária Clarice Lisboa, 29, é devota ao Senhor do Bonfim há três anos. O apego veio quando a mãe ficou internada na UTI em decorrência de uma infecção generalizada. “Os médicos não tinham esperança. Um deles chegou a me dizer para orar para quem eu acreditava”, lembra.

Foi o que Clarice fez. Orou e direcionou toda sua fé ao Senhor do Bonfim para a cura da matriarca.  “Minha família não é religiosa. Eu também não era, mas estava prestes a perder a minha mãe e essa situação me aproximou da religião. Lembro que uma noite rodei de carro aos prantos e fui parar na Igreja do Bonfim. Ali me senti em paz e pedi com todas as minhas forças para ele fazer um milagre”, conta emocionada. Desde então, a publicitária cumpre a promessa de seguir o Cortejo em gratidão à graça alcançada.

Para quem não faz o trajeto, existe a “Sala dos Milagres” no interior da Igreja. Ali estão expostas moldagens em cera, representando órgãos do corpo humano numa demonstração de agradecimento ao Senhor do Bonfim. O espaço foi criado em 1975, quase 50 anos após a Capela ser elevada a Basílica pelo Papa Pio XI.

No dia 20 de outubro de 1991 a Igreja recebeu a visita ilustre do Papa João Paulo II, que rezou aos pés do Senhor do Bonfim, presenteando a devoção com um cálice de prata dourada.

Reconfigurações

Em 1809 as famosas fitinhas do Senhor do Bonfim foram introduzidas à festa, uma espécie de amuleto sagrado para que os devotos tivessem uma lembrança do dia sagrado. O patuá era chamado de “medida”, porque tinham exatamente 47 centímetros, que é a extensão do braço direito da estátua do Senhor do Bonfim.

Inicialmente usadas para devoção, as fitas passaram a ser vendidas como lembrancinha no entorno da Igreja. Não só a comercialização das fitas, mas a festa como um todo sofreu modificações ao longo dos anos como pontua o historiador Nunes: “É claro que a festa que temos hoje é uma festa reconfigurada. Perdeu a forma de antes, mas isso não quer dizer que decaiu. Apenas passa, assim como todas as festas públicas de Salvador, por um processo de “empresariazação”, sendo feita no sentido de atender as demandas de organização e estrutura para os fiéis e não fiéis”, ressalta.

Ainda segundo Nunes, a profanidade atribuída é uma “bobagem”, porque fé e crença são coisas inabaláveis para quem tem, “Mesmo que durante o percurso esteja bebendo uma latinha de cerveja”, salienta.

Apesar das mudanças a Festa do Senhor do Bonfim recebeu, em 2014, o título de Patrimônio Imaterial do Brasil.

Novidade na Celebração

Este ano, o Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, dará uma Bênção Apostólica pela primeira vez após a Missa Solene, no dia 15 de janeiro. Na Procissão dos Três Pedidos, também no dia 15, a partir das 16h, serão exibidas várias imagens do Bom Jesus, numa demonstração de fé do povo baiano.

Nesta quinta-feira (12), acontece o Cortejo com saída às 8h da Igreja da Conceição da Praia à Basílica e a tradicional lavagem do adro. O novenário ao Senhor do Bonfim teve início no último dia 05.

A devoção ao santo é tanta que ele é considerado por muitos o padroeiro de Salvador. Para quem não conhece, a patente é atribuída a São Francisco Xavier, que foi instituído padroeiro da capital baiana em 10 de maio de 1686, a partir da proteção que os jesuítas e o povo invocaram sobre a cidade, após duas devastadoras epidemias.

Então, glória a ti neste dia de glória!