Débora Spagnol

debora 2As relações interpessoais sofreram, ao longo do tempo, as influências da tecnologia. Do inicial contato exclusivamente físico, evoluiu-se para as cartas, telegramas, telefonemas, fax, vídeos, redes sociais, teleconferências, entre outros.

Porém, ao mesmo tempo em que abre um leque de possibilidades de aquisição de conhecimento, aumento da rede de contatos pessoais e profissionais de forma barata, simples e rápida, as redes sociais podem levar a excessos  – não são raros os casos de viciados em celulares e computadores, que abrem mão de relacionamentos pessoais em favor de virtuais.

Além disso, a vaidade e necessidade de auto-afirmação fazem com que as pessoas abram mão da própria privacidade em troca de ´likes´ e ilusão de uma falsa aceitação. A privacidade muitas vezes é exposta e é também em muitos momentos objeto de vários tipos de violação, que resultam nos chamados ´crimes cibernéticos´.

No mundo virtual, personalidades mais volúveis podem abrir mão, em nome da popularidade, de valores íntimos como a privacidade, chegando até mesmo à exposição do corpo, o que se dá através da divulgação de vídeos e imagens dos protagonistas em trajes indiscretos e em cenas de intimidade.

Quando as imagens e vídeos são expostos pelos próprios protagonistas nas páginas que mantém em redes sociais, subentende-se que houve a renúncia à privacidade em nome de um bem que lhe parece maior: a aprovação virtual, não decorrendo daí nenhum crime.

Pela própria dinâmica atual dos relacionamentos, em que os casais buscam novas formas de satisfação e realização de desejos, não é incomum a gravação e registro fotográfico de momentos íntimos. Mas se após o fim do relacionamento um deles, munido com as imagens ou vídeos, resolve divulgá-los colocando em risco a moral daquele que apareceu sem dar esse consentimento, se está diante dessa postura conhecida como ´REVENGE PORN´.  O termo estrangeiro significa, numa tradução direta, ´vingança pornográfica´, e acontece, em específico, nos ambientes virtuais.

Mecanismos jurídicos de proteção aos ofendidos são sempre bem-vindos. E a punição aos algozes é necessária: além de apenarem o erro, devem servir à inibição de novas práticas semelhantes por outros ´vingadores´.

Atualmente tramitam dois Projetos de Lei, de números 5.555/13 e 6.630/13, que pretendem tipificar como crime a conduta de divulgar vídeos íntimos a terceiros, prevendo condenações de até três nos de detenção, além de determinar a obrigação de indenizar a vítima por todas as despesas decorrentes da mudança de domicílio, de instituição de ensino, tratamentos médicos e psicológicos e perda de emprego.

Sendo a vítima mulher e tendo com a pessoa que espalhou as imagens uma relação de confiança ou algum vínculo, mesmo que de curta duração, o caso como definimos como ´revenge porn´ pode ser enquadrado na Lei Maria da Penha, que visa proteger a mulher contra qualquer tipo de violência – neste caso, psicológica (art. 7º, II, da Lei), no que se refere à exposição não autorizada de fotos ou vídeos íntimos a terceiros.

A divulgação de vídeos e imagens íntimas, então, viola os direitos relacionados à dignidade humana, à liberdade individual, à intimidade, à honra e imagem, bem como à saúde mental – neste caso, pela aplicação do artigo 2º da LMP.

Em algumas situações, como nesse caso especifico de exposição de vídeos e imagens, a violência psicológica é tão ou mais devastadora quanto a mácula física, deixando marcas permanentes e irreversíveis no ser humano que a sofre.

O art. 22 da Lei Maria da Penha não prevê solução específica para os casos em que a violência é praticada com a utilização de meios eletrônicos. Porém, o § 1º do mesmo artigo deixa claro que o Juiz poderá lançar mão de outros expedientes previstos na legislação em vigor. Com base no ´poder geral de cautela´, o Magistrado pode buscar em outras fontes normativas as medidas aptas a garantir a segurança da ofendida. Tratando-se de violência psicológica, praticada por meio virtual, fica claro que o isolamento e o direito de ir e vir da vítima podem ser entendidos como vítimas de uma insegurança psíquica resultante da ofensa.

Entre as tutelas a ser concedidas pelo Juízo, um exemplo é a determinação para que o administrador da página (hospedeiro) do conteúdo não autorizado (foto, vídeo, etc) o retire do ar, eis que sua divulgação também configura ilícito civil – responsabilização é independente de eventual medida penal.

A vítima pode ainda buscar reparação financeira pelos prejuízos emocionais sofridos com a divulgação não autorizada dos vídeos e imagens íntimos.

Ao registrar ou permitir que registrem um momento íntimo, a mulher deve compreender que esta imagem já não lhe pertence; ao contrário: tornou-se domínio público: aberto, acessível e sempre disponível para quem quiser ver ou usar.