Débora Spagnol

debora-2Há alguns meses foi publicada uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo em que uma mulher foi condenada ao pagamento de R$ 20 mil reais de indenização por danos morais ao ex-companheiro que, após reconhecer a paternidade de criança e pagar pensão alimentícia durante longos anos, descobriu que não era o pai verdadeiro.

De forma simples, nossa legislação busca a verdade biológica, ou seja: a tendência é  sempre aproximar a realidade biológica com o que consta no registro de nascimento da pessoa.

Quando o pai que assumiu a paternidade da criança suspeita que a mesma não seja sua, de praxe utiliza-se o ajuizamento da “Ação Negatória de Paternidade”, cujo objetivo é excluir a paternidade do registro de nascimento da pessoa porque as declarações que ali constam não estão de acordo com a verdade biológica.

Ocorre que o processamento de tal exclusão não é tão simples como se imagina, uma vez que nossos Tribunais, para autorizar a retirada do nome pai registral da certidão de nascimento de uma criança ou adolescente, levam em consideração três aspectos muito importantes.

O primeiro aspecto é se houve vício de consentimento – ou seja: se o suposto pai, ao reconhecer a paternidade com o registro do filho, o fez porque foi induzido a algum vício de concordância.

Nossa lei identifica como vícios de concordância o erro, o dolo, a coação, a lesão e o estado de perigo. Neste caso específico de reconhecimento de filiação, porém, o que comumente ocorre é o erro. Por exemplo: a mãe ocultou do companheiro que mantinha outros relacionamentos sexuais na época em que engravidou. Acreditando que a parceira era fiel, o pai naturalmente supôs que o filho era seu, registrando-o em seu nome.

O segundo item que os juízes analisam é a existência de prova pericial que exclua a paternidade biológica – exame de DNA – que atesta que o pai que registrou não é o pai biológico.

E por fim os julgadores levam ainda em consideração a autonomia de vontade, que nada mais é do que o desejo livre e espontâneo do pai de registrar o filho – ou seja: se mesmo desconfiando que não era o pai biológico da criança o homem optou por assumir sua paternidade – por possuir forte vínculo afetivo com o infante, por exemplo.

Não se pode esquecer que o princípio da boa-fé avança no sentido de embasar as relações familiares, talvez em resposta aos valores sociais modernos, em que a honestidade passou a ser considerada exceção. Assim, no pequeno grupo social que constitui a família, a boa fé e lealdade devem anteceder qualquer conduta. Tais virtudes ganham importância quando se trata da filiação, justamente porque sua  finalidade essencial é expressar a verdade biológica no registro de nascimento.

Assim, se a mãe tiver dúvidas sobre a paternidade e, negando a relação de confiança, insiste na confirmação da filiação pelo companheiro e o induz a erro ao permitir o registro do filho, sua conduta expressa má-fé, fato que será analisada negativamente contra ela se houver a proposição da ação, como ocorreu na decisão do tribunal paulista.

Porém, se o pai tinha ciência de que a mãe da criança mantinha outras relações e mesmo assim reconheceu a paternidade, é incabível dizer que o mesmo incidiu em erro, pois conhecia os riscos e os assumiu livremente, manifestando clara intenção de ser registrado como pai.

Em resumo: para que seja feito o cancelamento do registro do pai como genitor de filho que não é seu, é necessário mais que uma mera dúvida, uma curiosidade vil, uma desconfiança ou o ódio que remanesceu daquela que era objeto de seu afeto. A ação negatória então pode resultar em dois caminhos: se houve vício de consentimento do pai, o juiz determina que seja elaborado um laudo psicossocial para avaliar as ligações afetivas entre o pai e o filho. Havendo vínculo e concordância do pai, é reconhecida então a paternidade socioafetiva. Não comprovados vício de consentimento e de autonomia de vontade, a ação é julgada improcedente, mantendo-se íntegro o registro de nascimento.

Não se pode esquecer que o interesse da criança é que deve ser sempre priorizado e não pode ficar à mercê das vontades e desamparo de um adulto que a ela não se ligou verdadeiramente pelos laços afetivos supostamente existentes quando do reconhecimento da paternidade.