

Latindo pro Papai Noel…
Um desses dias que antecedem o Natal. A febre de consumo atinge seu ápice e as ruas centrais de Itabuna estão lotadas.
Lojas cheias. Presentes caros e lembrancinhas baratas. Grandes e pequenos pacotes.
Nessas cenas que se repetem, em maior ou menor escala, em todas as partes do Brasil, Delly e Ique agora vão assumir o papel de protagonistas.
Delly e Ique, destinos tão diferentes, estão situados no mesmo espaço geográfico, a cidade de Itabuna, que um dia já foi chamada de Metrópole do Cacau, aquele produto que já foi, com toda justiça, comparado ao ouro.
Delly e Ique, separados por algumas ruas.
Delly espera sua vez de ser atendida num salão de beleza bem equipado, de onde sairá com um novo visual, perfumada e singelos lacinhos de fita na cabeça.
Ique revira latas de lixo numa barraca de pastel ao lado do Fórum de Itabuna, em busca de restos de comida.
São 14:23 horas. Delly está calma, bem alimentada. Ique está ansioso, está com fome.
Mas, o que tem a ver a repaginada no visual de Delly e a fome de Ique?
E o que ambos têm a ver com o Natal?
Delly é uma cachorrinha da raça poodle e seu nome foi tirado de uma marca infame de ração canina que ela abomina.
Não, Ique não é um vira-lata que vai contracenar com Delly numa versão grapiúna de A Dama e o Vagabundo, um clássico dos Estúdios Walt Disney.
Ique, corruptela de Henrique, é um menino de 12 anos, aparência de 8, desses que a estatística afirma que está na escola, mas a realidade mostra que está na rua.
Delly pode se dar ao luxo de escolher a marca de ração, ou mesmo comer comida de gente.
Ique tem que comer os restos de comida que acha, quando acha, na lata de lixo. Como o resto de pastel de queijo que comeu sem pestanejar, para depois balançar latinhas vazias em busca de gotas de guaraná ou coca-cola.
Um surto de pieguice, típica dessas bobagens brotadas em épocas como o Natal, poderia descambar para a análise simplista e óbvia de que a cachorrinha é tratada como gente e o menino como animal.
Não é por aí.
Delly tem todo o direito de se embelezar num pet-shop, sem que seus donos sejam queimados em praça pública por isso.
O que não é direito -e isso não tem nada a ver com Natal, Páscoa, Dia das Mães ou qualquer outra data- é que Ique dependa da lata do lixo para saciar a fome.
Não se trata de igualar Delly a Ique.
Talvez seja o caso, percebam a diferença, de igualar Ique a Delly.
Pronto, eis aí uma história de Natal que envolve uma bela cachorrinha e um pobre menino de rua.
Pensando bem, pode nem ser uma história de Natal.
Mas, com certeza, é uma história de (in)justiça social.
Delly está mais preocupada em arrancar os dois lacinhos vermelhos que colocaram em suas orelhas e que devem incomodá-la muito.
Ique trocaria essa digressão toda por um pastel de carne e uma coca-cola.
E, se não fosse pedir demais, uma bola de futebol.
Algum Papai Noel se habilita, pra colocar um final feliz nessa história?