Mario era um craque. Não um craque de futebol, mesmo os fabricados, desses que logo no início da carreira migram para a Europa em busca de fama e fortuna.
Mais modesto, sem chances de um emprego formal, fazia bicos como lavador de carros no bairro Pontalzinho, em Itabuna. Tinha, pelo menos, dinheiro para ir tocando a vida.
Mario era querido e respeitado pelos moradores de um bairro que acompanhou o progresso da cidade, as transformações do mundo, passou a conviver com o medo da violência, mas ainda conserva um pouco daquele jeito interiorano.
Enfim, era um desses personagens que fazem a vida de um bairro, de uma cidade. Um sujeito simplório que todos conheciam e gostavam.
Eis que, no meio do caminho de Mario apareceu uma pedra.
Não a pedra do poema de Carlos Drummond de Andrade, mas a pedra de uma droga que vem devastando a vida de milhares de adolescentes e jovens.
A pedra de crack!
Um subproduto da cocaína, mais barato e mais devastador, o crack rasgou as fronteiras dos guetos de São Paulo e espalhou-se pelo Brasil, está presente em todas as cidades. As grandes, as médias, as pequenas.
Fácil de comprar, o crack produz dependência extrema, obrigando o usuário a permanecer drogado o tempo todo, enquanto corrói o sistema nervoso e produz mortos-vivos.
A princípio, Mario mudou o comportamento. Já não trabalhava com tanta freqüência, nem era tão solicito. O bom humor deu lugar a uma excitação que logo se transformou na mais absoluta indiferença.
Aos poucos, todas as coisas foram perdendo sentido e a vida de Mario só encontrava sentido no crack. O que ganhava lavando carros ia para a compra de droga.
Há algum tempo, moradores do Pontalzinho começaram a conviver com um sujeito maltrapilho, perambulando pelas ruas e falando coisas desconexas. Ora é um político poderoso, ora é um fazendeiro, ora um valentão destemido, ora não é nem ele mesmo.
O certo é que, embora ainda tenha alguns lampejos de nitidez, não é mais o Mario.
O craque dos carros lavados com esmero, melhor do que nos lava-jatos, foi derrotado pela pedra do crack.
Errou de direção e mergulhou num caminho que dificilmente tem volta.
Tomou um drible (ou seria um pontapé?) do destino.
Supremo azar dos Marios indefesos, expostos às pedras no meio do
caminho: para os traficantes, que continuam agindo livremente, no meio
do caminho não existem pedras.
E, pior, na maioria dos casos não existem nem policiais para combatê-los!

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Mario é nome fictício, para preservar alguém para quem esse texto e quase tudo na vida é apenas fumaça.
Mas, sua história é real, como a de tantas outras vítimas de algo que o nome dispensa adjetivos: droga.